sexta-feira, 22 de abril de 2016

Melhor ser um aborto

Por Saulo Alves de Oliveira

Vivemos em um Universo com quatro dimensões, sendo três dimensões de espaço e uma quarta dimensão que é o tempo. Neste Universo nós não podemos escolher, antes do nascimento, quem seremos no futuro, qual será o nosso caráter, a nossa personalidade, os valores que admiramos. Tudo isso acontecerá após o nascimento e ao longo do nosso crescimento físico e mental. Essa é a realidade, até onde sabemos.

Seria bom escolher o futuro? Não sei.

Suponhamos, todavia, num exercício de especulação mental, que existe um outro Universo em quatro ou mais dimensões de espaço, paralelo ao nosso. Alguns cientistas já estudam essa possibilidade. Se existe esse Universo, pelo que se sabe, nós não podemos enxergar os seres que nele habitam, mas eles sabem que nós existimos e podem nos ver.

Imagine que esse Universo paralelo é um mundo preparatório para introdução ao nosso Universo. Lá, todos nós, ainda como pré-humanos, vivemos em uma espécie de hibernação, sem consciência, e só somos despertados desse estado de inconsciência, que pode durar milhares ou até milhões de anos, momentos antes de sermos transferidos para a Terra. 

Lá existe um ambiente muito especial, uma espécie de laboratório com vários armários. Em cada armário há caixas numeradas em ordem crescente. Em cada caixa há quatro pequenas cápsulas. Em cada cápsula estão colocadas todas as características que definem determinado ser humano que em qualquer momento da história habitará nosso planeta. O conteúdo de uma cápsula é depositado no zigoto – ou célula-ovo – exatamente no momento da concepção aqui na Terra e define quem ou como será cada ser humano.

O chefe do laboratório, um certo Dr. YaXa2, é um ser com características especiais, que pode fazer a ligação entre os dois Universos. Sua principal função é introduzir o conteúdo de uma cápsula em cada novo ser.

Cada cápsula tem o nome de uma pessoa que habitará a Terra, com as respectivas características pessoais, morais, boas ou más, por exemplo: Moisés, o legislador hebreu, Paulo, o apóstolo, Nero, Isaac Newton, Maria Antonieta, Hitler, Anne Frank, Gandhi, Madame Curie, Che Guevara, Severina, João, José, Lúcia... e todo e qualquer ser humano que se possa imaginar.

Imagine que, de alguma forma, exatamente antes da concepção, todos temos o direito de escolher, de modo limitado, é verdade, quem gostaríamos de ser.

Chegou a sua vez de entrar no nosso Universo, ocasião em que seu pré-você receberá todas as características que o definirão. Os auxiliares do Dr. YaXa2 fazem-no despertar e o preparam para o processo de transferência.

Há, entretanto, um detalhe importante: a ordem das caixas que contêm as cápsulas não pode ser alterada. Portanto, Dr. YaXa2 pega obrigatoriamente a primeira caixa ainda não aberta, e que corresponde ao seu número – 22.537.491.002. Dentro dela há quatro cápsulas com os nomes de Eduardo Cunha, Gilmar Mendes, Jair Bolsonaro e Michel Temer.

A caixa seguinte contém as cápsulas Albert Einstein, Galileu Galilei, Nelson Mandela e Oscar Niemeyer. Por muito pouco seu pré-você perdeu uma grande oportunidade. 

Dr. YaXa2 se dirige a seu pré-você e pergunta: quem pré-você gostaria de ser?

Seu pré-você não tem outra alternativa. Obrigatoriamente terá de escolher uma dessas cápsulas, cujo conteúdo será depositado no zigoto que dará origem a você. Infelizmente seu pré-humano é um ser sem sorte.

Depois de ler todas as características de cada cápsula projetadas em uma enorme tela à sua frente, seu pré-você escolhe a cápsula de nome Jair Bolsonaro. Poderia ter escolhido qualquer uma das outras três. Realmente, qualquer que seja a opção, seu pré-você é um ser extremamente sem sorte.

No exato momento em que o espermatozoide do seu pai penetra o óvulo da sua mãe Dr. YaXa2 introduz o conteúdo da cápsula Jair Bolsonaro na célula-ovo que dará origem a você. Para sua desventura, o que é lamentável, você nascerá e será Jair Bolsonaro.

Mas, espere um pouco! Não fique assim tão triste. Felizmente você ainda terá uma chance para remediar tal desastre.

Em algum momento entre a concepção e o instante imediatamente anterior ao seu nascimento você será obrigado a fazer mais uma escolha. Ser-lhe-á perguntado: você realmente quer nascer Jair Bolsonaro – o raciocínio aqui vale também para Eduardo Cunha, Gilmar Mendes ou Michel Temer – ou quer ser abortado?

Pergunta crucial: qual seria a sua opção?

Bom, a minha eu acho que já está clara. 

sábado, 16 de abril de 2016

Divagação antes de Morfeu chegar

Por Saulo Alves de Oliveira

Certa noite eu demorei mais do que o normal para adormecer, e, na luta entre Morfeu e a lucidez, uma divagação tomou conta da minha mente.

A maior parte dos meus amigos do Facebook é formada por evangélicos. Os não evangélicos são minoria. Portanto eu não sei se é correta essa comparação. Não sei se probabilisticamente é válida.

Entretanto, como nem todos os amigos evangélicos frequentam assiduamente essa rede social, especialmente para compartilhar algo acerca do tema “política”, acho que não cometo uma impropriedade com esta simples análise.

Em sua grande maioria – não estou generalizando, obviamente – os evangélicos são favoráveis à quebra da ordem institucional, isto é, defendem a volta dos militares ao poder ou, sem eufemismo, defendem a volta da ditadura, pois governo sem eleições livres nada mais é que ditadura. Dizendo de outra forma: defendem o golpe. O que para mim, que participei ativamente do mister evangélico durante muitos anos, é, de certa forma, uma enorme decepção.

Acontece que eu já deveria saber disso, se tivesse atentado para as concepções fundamentalistas ou conservadoras da grande maioria dos evangélicos, especialmente da Igreja em que nasci e fui criado, e na qual vivi intensamente durante grande parte da minha vida. 
  
Os não evangélicos, ao contrário, em sua grande maioria não são favoráveis à quebra da ordem institucional, isto é, defendem a democracia com todos os seus defeitos, pois sabem que a democracia é um sistema falho e imperfeito, porém ainda não inventaram nada melhor para o próprio povo escolher seus governantes. E, no caso brasileiro, só o exercício do voto - às vezes acertando, outras vezes errando - nos transformará, ao longo do tempo, em bons eleitores, conscientes da importância do voto.

Eu confesso que não sei explicar com absoluta segurança essa dicotomia.

E o pior: entre os evangélicos há muita gente com boa formação intelectual, entretanto o corpo está em 2016 e a cabeça em 1964. Lamentavelmente, esse quadro, de um mal pintor, é ainda mais grave: não são só os mais velhos não. Muitos jovens também têm a cabeça em 1964.

Penso que isso daria uma boa tese de mestrado: a formação do pensamento político dos evangélicos.   

terça-feira, 12 de abril de 2016

O idiota, o cínico e o mau-caráter

Por Saulo Alves de Oliveira

Qual é a diferença entre o idiota, o cínico e o mau-caráter?

O idiota lê uma mentira e acha que é uma verdade, então a compartilha.

O cínico lê uma mentira e sabe que é uma mentira, mesmo assim a compartilha.

O mau-caráter escreve uma mentira e, sem qualquer vestígio de escrúpulo, a compartilha.

E por que o mau-caráter age assim?

Porque existem idiotas e cínicos.

(Jamais serei um cínico ou mau-caráter. Idiota, quem sabe? Todavia, se isso acontecer, qualquer um está autorizado a me chamar a atenção)