quinta-feira, 16 de abril de 2015

O filho de Bate-Seba

Por Saulo Alves de Oliveira

Uma inocente criança pagou pelo erro do seu pai. E o que mais me estarrece: o castigo foi ordenado pelo próprio Deus (sic).

Recentemente eu ouvi um comentário acerca dos personagens bíblicos Davi – o maior, mais famoso e mais festejado rei de Israel –, Urias e Bate-Seba. Esta última, mulher do segundo. E fiquei a pensar sobre a história registrada na Bíblia em 2 Sm. 11 e 12.

Um resumo: Davi mandou matar Urias para ficar com sua mulher, Bate-Seba. Dessa união nasceu um filho. Deus não gostou da atitude de Davi e, como castigo pelo erro do rei, matou a criança. E o pior: ao que tudo indica, não foi uma morte rápida e sem sofrimento. A criança passou sete dias agonizando antes de morrer.

Quer dizer, o filho pagou pelo pecado do pai. Julgo que não há dúvidas quanto a isso.

Eu não preciso analisar esse caso à luz da Bíblia para fazer este questionamento. Os meus princípios morais e éticos me dizem que ninguém deve pagar pelos erros de outrem. Entretanto, como há pessoas que procuram na Bíblia justificativa para tudo – apesar disto não ser possível –, eu vou fazer citações bíblicas que fundamentam o que estou questionando.

“A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele.” Ez. 18. 20

“Não se farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada qual morrerá pelo seu próprio pecado.” Dt. 24. 16

Portanto, se o crime foi cometido por Davi, não seria ele o único que deveria pagar ou sofrer as consequências do seu próprio erro?  

Realmente, há não poucas histórias na Bíblia que eu não consigo entender e para as quais também não encontro explicações racionais.

Alguém pode afirmar: “Ah, Saulo, as coisas de Deus só se entendem pelo Espírito de Deus”. É, talvez a minha espiritualidade não esteja lá em um nível tão elevado assim e isso impede o meu homem espiritual de entender certos aspectos relacionados a Deus como registrados na Bíblia.

Pois então, alguém que já teve a revelação de Deus no tocante a essa história pode me dar uma explicação razoável e satisfatória para tais acontecimentos, posto que, quanto a mim, por mais que eu me esforce, não consigo encontrá-la.

(E esse não foi o único episódio lamentável envolvendo Davi, “um homem segundo o coração de Deus”.)

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Apenas um placebo

Por Saulo Alves de Oliveira

O fato de você acreditar que um asno é um cavalo ou um avestruz é uma águia não fará do asno um cavalo nem do avestruz uma águia. O asno sempre será um asno e o avestruz sempre será um avestruz.

Você pode acreditar em algo simplesmente porque lhe traz conforto e consolo, mas tal fato não é suficiente como prova de que sua crença não está restrita ao mundo do imaginário, ainda que coletivo. Simplesmente acreditar não transforma o irreal em algo tangível, concreto.

Bom, esta é minha opinião: se você prefere não conhecer a verdade porque a mentira é reconfortante, é um direito seu. Só você pode decidir. Quanto a mim, prefiro uma verdade que machuca a uma mentira consoladora.  

Crianças acreditam em Papai Noel e isso é maravilhoso para elas. Foi para mim também quando criança. Mas Papai Noel simplesmente não existe. Por mais que alguém acredite em fadas, duendes, gnomos ou lobisomens, tais seres não existem.

Veja a que ponto chega a crendice popular. Pessoas acreditam que tomar um copo de água “ungida” ou água do rio Jordão lhes trará algum benefício. 

Eu fico atônito, em perplexidade com o fato de alguém pregar e muitos incautos acreditarem que o ato de tomar um copo de água “ungida”, água orada, água benzida, água consagrada trará benefícios para alguém. Água é simplesmente H2O, seja “ungida” ou não. Me incomoda, aliás, me entristece profundamente o fato de em pleno século 21 pessoas ainda se deixarem levar por essas e tantas outras crendices tolas e até infantis.

Resquícios medievais em pleno século da razão.

Água do rio Jordão, óleo santo, folha de arruda, sal grosso, oração forte, benzedeira, “despacho, leitura de cartas, caixinha de promessas, rezar Ave Maria, sinal da cruz, ofertar, passar fome, pano santo, suor santo, oração no monte, fixar uma mezuzá na porta, flagelar o próprio corpo, tornar-se “parceiro” de Deus, “semear” alguns reais, depositar na conta de tal igreja, etc. Há muito mais. Meu Deus! É tanta superstição que me assusta. E afronta a inteligência humana.

Simples placebos!

Se alguma coisa boa acontecer na vida de alguém após tomar água “ungida” ou consagrada, só tem duas explicações: 1) autossugestão, que faz a pessoa se empenhar mais em relação a algum propósito, alcançando-o com mais facilidade; ou 2) evento natural que acontece na vida de qualquer pessoa, com ou sem água “ungida” ou outra crendice qualquer.

(Na realidade, a palavra não é exatamente “crendice”, mas, para não ser agressivo, fica “crendice” mesmo.)

É muito simples chegar a essa conclusão. Observe a vida das outras pessoas, que têm fé ou não ou que têm fé diferente da sua, às vezes totalmente contrária à sua. Quando não totalmente céticas. E tudo lhes sucede exatamente da mesma forma, derrotas e vitórias, curas e não curas, sucesso e insucesso, vida e morte, com ou sem água “ungida”.