domingo, 22 de junho de 2014

Noé e as sete perguntas a Deus

Por Saulo Alves de Oliveira

Quando eu era criança meu pai contava, nos cultos domésticos, várias histórias bíblicas. Eu gostava muito das histórias de Adão e Eva, do pequeno Moisés, José do Egito, Davi e Golias e tantas outras.

Entretanto, dentre todas as histórias bíblicas uma das mais interessantes era a de Noé. Normalmente a história de Noé é contada para as crianças de forma suavizada, sem a carga emocional e sem ênfase na crueldade que ela encerra.

A visão que se transmite é aquela de uma enorme fila de animais caminhando obedientemente lado a lado para dentro de um enorme navio, pois Deus, misericordiosamente, não quis destruir por completo toda a vida na Terra. Hoje, evidentemente, não sou mais criança e vejo a história do velho patriarca com outros olhos.

Como consequência do pecado da humanidade, Deus resolveu destruir com um grande dilúvio quase todos os homens e animais terrestres e aves que habitavam a Terra. Deus decidiu preservar apenas o “justo” Noé, sua família e casais de exemplares de todos aqueles animais. Para salvar os escolhidos, Deus mandou Noé construir, previamente ao grande dilúvio, uma enorme arca.

Depois de muitos anos o navio foi finalmente concluído. Então, Noé, sua família e os animais escolhidos entraram no grande barco. Deus fechou a porta por fora e em seguida mandou muita chuva, mas muita chuva mesmo, de forma tal que toda a terra submergiu sob as águas e todos os que ficaram do lado de fora morreram afogados, inclusive todas as crianças e animais – inocentes, ressalte-se.              

Acho razoável admitir que todos os peixes e os outros animais marinhos não foram eliminados. Sem dúvida foram privilegiados (Por quê?).  

O interessante é que tudo isso foi informado previamente a Noé e ele não esboçou a menor intenção de questionar essa decisão de Deus, tal qual fez Abraão no episódio da destruição de Sodoma e Gomorra.

Noé, entretanto, poderia ter feito as seguintes perguntas a Deus:

“Senhor, por que Tu não ages de forma seletiva e preservas todos os inocentes?”

“Por que não salvas todas as crianças e eventualmente alguns justos que existam sobre a terra?”

“Dos pecados dos homens, que culpa têm os animais?”

“Por que não preservas todos os animais? Há algum sentido em matá-los?”

“Deve o inocente sofrer as consequências do pecado dos maus?”

“Por que não fazes justiça para com todos os inocentes?”

Se eu fosse Noé teria feito tais perguntas a Deus.

E você, teria feito o mesmo? Ou não?

sábado, 7 de junho de 2014

Aos virtuosos e aos canalhas

Eis o que um “amigo” me falou:

Não me parece tarefa nada fácil o próprio indivíduo descrever o seu caráter moral e a sua personalidade. Se me fizessem tal sugestão, certamente eu não teria condições de fazê-lo de forma imparcial. Julgo que é muito difícil falar acerca de si próprio sem ser indulgente consigo mesmo. Quem sabe pouquíssimas pessoas no mundo tenham essa capacidade. “Sair” do próprio corpo, ver-se à distância e analisar, com isenção, suas virtudes e falhas deve ser um exercício extremamente complicado, e até interessante.  

Possível? É provável. Talvez  para aqueles que atingiram um nível espiritual muito elevado. E com certeza eu não estou nesse seleto grupo de seres que a Terra já produziu.

Entretanto, com base em avaliações de parentes, amigos e conhecidos parece que esse meu “amigo” é uma pessoa calma, ponderada, pacífica e às vezes até passivo demais. Não tenho certeza se isso é bom ou ruim em todos os momentos da vida. Parece que há situações em que a pessoa precisa gritar, perder um pouco o controle e se impor de forma mais contundente.

Já ouvi falar de alguém que era “manso e humilde de coração” e certa vez saiu derrubando mesas e cadeiras de mercadores e cambistas dentro de um templo. E essa pessoa tinha um açoite de cordas na mão. Quer me parecer que um açoite de cordas não é propriamente um instrumento para gentilezas, mas para atitudes ríspidas e de enfrentamento. Ou não?  

E continuou o meu “amigo”:

Todavia, independentemente de qualquer adjetivação que me seja atribuída, hoje eu quero me dar o direito de transgredir quaisquer virtudes que me caracterizam. Hoje eu quero me dar o direito de perder a paciência e desabafar, quem sabe até xingar.

Se você acha que o Brasil, por qualquer motivo, não deveria sediar a Copa do Mundo de Futebol, você tem todo o meu respeito. 

Se você acha que há no País coisas muito mais importantes do que a Copa para preocupar os governantes, eu concordo com você.

Se você acha que os governantes foram – e estão sento – incompetentes na preparação do Brasil para a Copa, essa também é a minha percepção.

Nesse momento ponderei: Caro “amigo”, só faço uma ressalva: por que as pessoas só culpam o governo federal pela não conclusão das obras a tempo? Parece até que os governadores e prefeitos das cidades sedes não se empenharam para trazer a Copa para as capitais dos seus estados e não têm, provavelmente, a maior parte da culpa pelos atrasos das obras! Por que não criticar também todos os governadores e todos os prefeitos das cidades sedes?

Parece que meu “amigo” não deu muita atenção à minha observação e continuou:

Se você acha que houve corrupção nas obras da Copa ou nas obras de mobilidade urbana, eu não posso simplesmente dizer que concordo com sua observação, mas admito que é possível, dado o histórico de malversação dos recursos públicos em nosso país. Afinal de contas a inteligência pode não ser minha maior virtude, mas não sou tão estulto assim. Todavia, entendo que não se pode acusar ninguém sem provas.

Se você acha que o Brasil deixou de investir em saúde e educação por conta da Copa, eu não concordo com você, mas compreendo sua indignação.

Se você acha que o Brasil precisa investir mais em saúde, educação e segurança e gerir melhor esses recursos, eu estou de pleno acordo com sua opinião.

Se para você tanto faz o Brasil perder ou ganhar a Copa, tudo bem, trata-se de uma questão pessoal e de consciência de cada um, não me cabe fazer qualquer julgamento. Ninguém é pior ou melhor por isso.

Se um ou mais desses perfis o caracterizam, você é uma pessoa do bem.

Sugiro, a essa altura, que não continue lendo este texto, pois meu “amigo” perdeu o controle a partir daqui.

Mais uma vez o meu “amigo”:

Todavia, qualquer brasileiro – inclusive você, Saulo, se for o seu caso – que porventura torce para que a Copa seja um fiasco, não passa de um canalha.

Se você torce para que a Copa seja um caos, para prejudicar partido A ou B e beneficiar partido C ou D, você é um crápula da pior espécie.

Se você torce para que haja nestes dias uma convulsão social que imponha medo e pavor aos turistas estrangeiros e nacionais, e manche a imagem do Brasil lá fora, você não passa de um verme vil e abjeto. 

Se você torce para que haja uma catástrofe ou um grave acidente de repercussão internacional, você vale menos que a pasta informe que o gado libera nos campos ao esvaziar seus intestinos. Os excrementos do gado ao menos têm alguma serventia: adubam a terra e fazem as plantas crescerem. Quanto a você...

Se você se enquadra em qualquer um desses perfis, você é uma pessoa do mal. Portanto, não tenho interesse algum em manter qualquer relacionamento de amizade com pessoas dessa espécie, seja você de perto ou de longe, tenha o mesmo sangue ou não, esteja sentado na cadeira principal ou no último banco.

E assim, abruptamente, meu “amigo” terminou suas palavras.

Após refletir algum tempo, qual foi minha reação?

Concordo com tudo o que você falou, caro “amigo”.

Saulo Alves de Oliveira