quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Por que tantos “caminhos¹” a partir da Bíblia?

Por Saulo Alves de Oliveira

Isso não incomoda você? É claro que a pergunta só vale para os cristãos.

Certa vez afirmei:

Se eu fosse Deus não teria “escrito” a Bíblia deixando margem para interpretações tão divergentes. Não teria permitido que os próprios homens definissem quais livros deveriam fazer parte da Minha Carta aos seres humanos. Eu mesmo, pessoalmente, teria feito a escolha.

Por que fiz essa afirmação? Porque a Bíblia não é um livro objetivo. Cada grupo religioso o interpreta a seu bel-prazer e segundo suas conveniências. E isso sempre me incomodou. Portanto se eu fosse Deus teria feito um livro objetivo, um verdadeiro “Manual”, para que todos o entendessem da mesma forma.  

Exemplo bem atual: a Igreja Universal inaugurou recentemente o que o Sr. Edir Macedo chama de “Templo de Salomão” e parece estar dando uma interpretação judaizante ao evangelho, com base na Bíblia, ao utilizar ritos e objetos do Velho Testamento. Não adianta alguém afirmar “a exegese dele está errada”, pois certamente ele julga estar certo e milhares o estão seguindo.

Há algum tempo, conversando com amigos sobre esse tema lhes argumentei com a ideia de comparar a Bíblia com um roteiro claro e objetivo para chegar a qualquer ponto da cidade. Tal ideia me veio à mente para tentar esclarecer melhor o meu pensamento e os meus questionamentos.

Sei que é um exemplo medíocre, fruto de uma mente com muitas carências intelectuais.

Imaginem que sou o mais inteligente dentre todos os seres humanos (o tosco argumento deste comentário contradiz essa ideia boba, não é mesmo?) e falo todos os idiomas (que falácia, hein? Eu mal escrevo em português e, apesar de algumas tentativas, nem sequer me expresso em inglês).

Imaginem que fiz um guia, ou “manual, para qualquer pessoa de qualquer nacionalidade chegar sem erro a qualquer ponto da nossa cidade, esteja onde estiver.

Por acaso estou caminhando na Av. Salgado Filho, em Natal, quando sou abordado por um turista de qualquer parte do mundo que não sabe como chegar a um determinado ponto da cidade. O turista me pergunta qual é o caminho que o fará chegar àquele lugar. Tenho guias ou “manuais” em todos os idiomas e lhe entrego um guia em sua própria língua com todas as orientações possíveis para chegar lá. Indico onde ele está naquele momento e mostro o roteiro para alcançar o ponto desejado.

Para você entender a minha ideia não é imprescindível que eu lhe apresente o “manual”. O que vale mesmo é a compreensão do princípio que estou tentando transmitir. 

E veja que se trata de uma mente que nem é tão brilhante assim. Com muito esforço, talvez atinge a média do ser humano comum. Não tenho a mente insondável e infinita de Deus, o Todo-poderoso, que tem todo o conhecimento que jamais será esgotado pela mente humana.

Se, com todas as informações fornecidas, turistas que procuram o mesmo ponto da cidade fossem parar ou em Ponta Negra ou nas Quintas ou na Ribeira ou na Praia do Meio, o que você diria?

Acredito que, se adaptarmos essa última pergunta à Bíblia, a resposta pode ser desconcertante ou desalentadora. Ou não?

É claro que, possivelmente, há uma explicação racional para isso, no entanto não cabe a este principiante na arte da escrita convencê-lo de coisa alguma. Cabe a você encontrá-la, se assim o desejar, obviamente.  

Todavia, se para você isso não tem a menor importância...

¹Por “caminhos” entenda-se: igrejas, denominações, doutrinas ou interpretações da Bíblia  

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Evidências da evolução – Genomas¹ semelhantes

[O genoma humano é semelhante e, em alguns casos, quase igual aos genomas de outros seres vivos]

Com relação a isso, é interessante observar com atenção o genoma da humanidade, e compará-lo aos genomas de vários outros organismos cujas sequências foram até agora desmembradas. Quando se examina a vasta extensão do genoma humano – 3,1 bilhões de letras do código do DNA arranjadas ao longo de 24 cromossomos, várias surpresas aparecem imediatamente.

Uma delas surge quando se verifica que o genoma é realmente pouco usado para codificar a proteína. Apesar de as limitações dos métodos experimentais e de cálculos ainda não fornecerem uma estimativa precisa, há apenas de 20 mil a 25 mil genes que decodificam proteínas no genoma humano. A quantidade total de DNA utilizado por esses genes para decodificar proteínas soma-se a um ínfimo de 1,5% do total. Após uma década esperando encontrar pelo menos 100 mil genes, muitos de nós ficamos pasmos ao descobrir que Deus escreve histórias muito curtas sobre a humanidade. Isso foi algo especialmente chocante, dado o fato de que os cálculos de um gene para outros organismos mais simples, como minhocas, moscas e plantas, parecem estar quase na mesma série, ou seja, por volta de 20 mil.

Outra consequência bastante interessante do estudo de genomas múltiplos é a capacidade de fazer comparações detalhadas de nossa sequência de DNA com as de outros organismos. Por meio de um computador, pode-se escolher determinada extensão do DNA humano e verificar se existe uma sequência semelhante em alguma outra espécie. Se alguém escolher uma região de codificação de um gene humano (ou seja, a parte com instruções para uma proteína), e usá-la para a pesquisa, sempre encontrará uma correspondência bastante significativa com os genomas de outros mamíferos. Muitos genes também encontrarão correspondências diferenciáveis, porém imperfeitas, como peixes. Alguns até encontrarão correspondências com genomas de organismos mais simples, como moscas-das-frutas e vermes cilíndricos. Em alguns casos especiais notáveis, a semelhança irá se estender até os genes de leveduras e mesmo aos das bactérias.

Se, entretanto, escolhermos um pedaço do DNA humano que fica entre os genes, a probabilidade de encontrar uma sequência semelhante nos genomas de outros organismos com uma relação mais distante é reduzida. Não desaparece por completo; por meio de uma busca cuidadosa em computadores, cerca de metade desses fragmentos pode ser equiparada a outros genomas de mamíferos, e quase todos se alinham perfeitamente ao DNA de primatas não-humanos.

O que isso significa? Em dois níveis diferentes, nos fornece um respaldo e tanto para a teoria da evolução de Darwin, ou seja, a descendência de um ancestral comum com a seleção natural atuando em variações que ocorrem de forma aleatória.

Primeiro: no nível do genoma como um todo, um computador pode construir uma árvore da vida tendo como base apenas as semelhanças das sequências de DNA de vários organismos. Tenha em mente que para essa análise não se utiliza nenhuma informação do registro fóssil nem de observações da anatomia de formas de vida atuais. Entretanto, apresenta uma semelhança formidável com as conclusões de estudos de anatomia comparada, tanto de organismos existentes como de restos fossilizados.

Segundo: no genoma, a teoria de Darwin prevê que as mutações que não afetem as funções (a saber, as que se encontram no “DNA lixo”) irão acumular-se de maneira estável com o passar do tempo. No entanto, espera-se que as mutações da região de codificação dos genes sejam observadas com menos frequência, e somente um evento tão raro quanto esse irá proporcionar uma vantagem seletiva e ficará retido durante o processo evolutivo. É exatamente isso que se observa.

Charles Darwin era muito inseguro a respeito de sua teoria da evolução. Talvez por isso tenham se passado quase 25 anos entre o desenvolvimento de sua ideia e a publicação de A Origem das Espécies. Em vários momentos, Darwin deve ter desejado voltar milhões de anos no tempo para observar todos os eventos que sua teoria previa. Claro que ele não podia fazê-lo, nem hoje isso é possível. Contudo, sem uma máquina do tempo Darwin não poderia imaginar uma demonstração digital mais comprobatória de sua teoria do que aquela que encontramos ao estudar o DNA de vários organismos.

Em meados do século XIX, Darwin não poderia saber como seria o mecanismo da evolução por seleção natural. Hoje podemos ver que a variação que ele admitiu como suposição tem o respaldo das mutações que acontecem naturalmente no DNA. Calcula-se que estas ocorram a uma taxa de cerca de um erro a cada 100 milhões de pares de bases por geração (ou seja, falando nisso, como todos nós temos dois genomas, cada um com 3 bilhões de pares, um de nossa mãe e outro de nosso pai, possuímos, grosso modo, sessenta mutações novas que não estavam presentes em nossos pais).

A maioria dessas mutações ocorre em partes não-essenciais do genoma e, portanto, tem pouca ou nenhuma consequência. Aquelas classificadas como partes mais vulneráveis do genoma geralmente são prejudiciais e, dessa forma, eliminadas depressa da população, pois reduzem a adequação reprodutiva. Em raras ocasiões, contudo, uma mutação surgirá ao acaso, oferecendo um leve grau de vantagem seletiva. Essa nova “grafia” de DNA terá um probabilidade pouco maior de ser transmitida a uma geração futura. Durante um longo espaço de tempo, tais eventos raros e favoráveis podem difundir-se amplamente para todos os membros da espécie, resultando, enfim, em importantes mudanças na função biológica.

O estudo dos genomas leva inevitavelmente à conclusão de que nós, humanos, partilhamos um ancestral comum com outras criaturas vivas. Claro que a evidência, por si só, não prova que há um ancestral comum; partindo de uma perspectiva criacionista, tais similaridades poderiam simplesmente demonstrar que Deus usou com êxito princípios de planejamento repetidas vezes. No entanto, como podemos observar, e como foi prenunciado na discussão sobre mutações “silenciosas” em áreas de codificação de proteínas, o estudo detalhado de genomas tornou essa interpretação praticamente insustentável – não apenas sobre todas as outras criaturas vivas, mas também sobre nós.

Como exemplo inicial, vejamos uma comparação entre o genoma humano e o de um camundongo, ambos determinados com muita precisão. O tamanho geral dos dois genomas é, grosso modo, o mesmo, e o inventário de genes que decodificam proteínas apresenta uma semelhança extraordinária. Contudo, observamos depressa outros sinais inconfundíveis de um ancestral comum quando percebemos os detalhes. Por exemplo, a ordem dos genes ao longo dos cromossomos do ser humano e do camundongo é, em geral, mantida com extensões significativas de DNA. Assim, se eu encontrar genes humanos A, B e C, nessa ordem, é provável que ache no camundongo correspondentes de A, B e C também colocados na mesma ordem, apesar de o espaçamento entre os genes poder sofrer alguma variação. Em alguns exemplos, essa correlação estende-se por longas distâncias; virtualmente todos os genes do cromossomo 17 do ser humano, por exemplo, são encontrados no cromossomo 11 do camundongo. Embora se possa defender a ideia de que a ordem dos genes é fundamental para estes funcionarem de modo adequado e, portanto, alguém deve ter elaborado essa ordem em vários atos de criação especial, não há provas, de acordo com a compreensão atual da Biologia Molecular, de que essa restrição precisaria ser aplicada a tais distâncias cromossômicas significativas.

A posição dos humanos na árvore evolucionária recebe apenas um reforço adicional comparada a nosso parente vivo mais próximo, o chimpanzé. Sua sequência de genoma foi agora desvendada, e revela que humanos e chimpanzés são 96% idênticos no DNA.

Mais um exemplo desse relacionamento próximo origina-se de um exame da anatomia dos cromossomos de humanos e de chimpanzés. Os cromossomos são a manifestação visível do genoma do DNA, podendo ser observados em um microscópio ótico na ocasião em que a célula se divide. Cada cromossomo contém centenas de genes. O humano apresenta 23 pares e o chimpanzé, 24. A diferença no número de cromossomos parece uma conseqüência da fusão de dois cromossomos ancestrais, que geraram o cromossomo humano 2. Outro indício de que o humano seja uma fusão aparece quando se estudam o gorila e o orangotango – cada um deles tem 24 pares de cromossomos, como o chimpanzé.

Recentemente, ao se determinar a sequência completa do genoma humano, tornou-se possível observar o local exato onde essa fusão cromossômica deve ter ocorrido. A sequência nesse local – juntamente com o braço longo do cromossomo 2 – é, de fato, extraordinária. Sem entrar em pormenores técnicos, direi apenas que sequências especiais ocorrem nas extremidades de todos os cromossomos de primatas. Em geral, essas sequências não acontecem em mais nenhum outro local. No entanto, são encontradas bem onde a evolução teria previsto, no meio do cromossomo de nosso segundo cromossomo fundido. A fusão que ocorreu à medida que evoluímos a partir de símios deixou seu DNA estampado. Fica muito difícil entender essa observação sem admitir a suposição de um ancestral comum.    

No entanto, outro argumento para a ancestralidade comum entre chimpanzés e humanos vem da observação peculiar daquilo que chamamos de pseudogenes. Estes são genes que apresentam quase todas as propriedades de um manual de instruções de um DNA funcional, mas são perturbados por uma ou mais falhas pequenas que transformam seu roteiro em algo sem sentido. Quando comparamos chimpanzés com humanos, verificamos que aparecem genes raros com uma função nítida em uma espécie, mas não em outra, pois adquiriram uma ou mais mutações nocivas. O gene humano conhecido como caspase-12, por exemplo, suportou muitos golpes para ser derrotado, embora seja encontrado num lugar relativo idêntico no chimpanzé. O gene caspase-12 do chimpanzé trabalha bem, assim como o gene semelhante em quase todos os mamíferos, inclusive os camundongos. Se os humanos surgiram em consequência de um ato sobrenatural, por que Deus se daria ao trabalho de inserir um gene sem função exatamente ali?

Em outro exemplo, houve recentemente muito interesse cercando o gene chamado FOXP2, dada a sua função potencial para o desenvolvimento da linguagem. A história do FOXP2 começou com a identificação de uma única família na Inglaterra; durante três gerações, seus membros tinham sérias dificuldades para falar. Esforçavam-se muito para processar palavras de acordo com as regras gramaticais, compreender estruturas de frases e mover os músculos da boca, da face e das pregas vocais para articular determinados sons.

Num grande esforço de investigação genético-detetivesca, descobriu-se que os membros dessa família tinham uma única letra do código de DNA com a grafia incorreta, no gene FOXP2, do cromossomo 7. O fato de um único gene com um erro sutil de grafia poder causar tamanha deficiência de linguagem sem outras consequências óbvias era bastante surpreendente.

A surpresa logo ficou mais intensa quando se mostrou que a sequência do mesmo gene FOXP2 tinha permanecido estável, de forma extraordinária, em quase todos os mamíferos. A exceção mais dramática, contudo, são os humanos, nos quais duas mudanças substanciais ocorreram na área de codificação do gene, aparentemente há recentes 100 mil anos. A hipótese sugerida por esses dados é de que essas mudanças ocorridas há pouco no FOXP2 podem ter, de algum modo, contribuído para o desenvolvimento da linguagem em seres humanos.              
  
Os exemplos aqui relatados com base no estudo dos genomas, somados a outros que poderiam encher milhares de livros do tamanho deste, fornecem o tipo de respaldo molecular à teoria da evolução que convenceu praticamente todos os biólogos em atividade de que a estrutura de Darwin sobre a variação e a seleção natural está inquestionavelmente correta. Na verdade, para quem, como eu, trabalha com genética, é quase impossível imaginar uma correlação das imensas quantidades de dados surgidos de estudos de genomas sem os fundamentos da teoria de Darwin. Como afirmou Theodosius Dobzhansky, destacado biólogo do século XX (e devoto da Igreja Cristã Ortodoxa do Oriente): “Nada tem sentido na Biologia, exceto à luz da evolução”.

Francis S. Collins, em “A linguagem de Deus”

¹Genoma é o conjunto de todos os genes que se encontram no núcleo de cada célula e que define todas as características e como vai funcionar um ser vivo.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Evidências da evolução – Homologia

[Ou semelhança entre os esqueletos]

Que obra magistral é o esqueleto de um mamífero! Não falo da beleza em si, embora eu ache que seja belo. Refiro-me ao fato de podermos falar em “o” esqueleto mamífero: o fato de uma coisa tão complexa e interligada ser tão esplendidamente diferente de um mamífero para outro, em todos as suas partes, e ao mesmo tempo tão obviamente a mesma coisa em todos os mamíferos.

(...) Vejamos o esqueleto de um morcego. Não é fascinante que cada osso tenha sua contrapartida identificável no esqueleto humano? É identificável graças à ordem em que se ligam uns aos outros. Só mudam as proporções. As mãos do morcego são imensamente aumentadas (em relação ao tamanho total do animal, obviamente), mas ninguém poderia deixar de notar a correspondência entre nossos dedos e os longos ossos nas asas do morcego. A mão humana e a mão do morcego obviamente são – nenhuma pessoa mentalmente sadia poderia negar – duas versões de uma mesma coisa. O termo técnico para essa semelhança é “homologia”.

A asa que o morcego usa para voar e a mão que usamos para segurar são “homólogas”. As mãos do ancestral que humanos e morcegos têm em comum, assim como o resto do esqueleto, furam puxadas, ou comprimidas, parte por parte, em diferentes direções e em diferentes magnitudes, no decorrer das diferentes linhas de descendentes.

Eis outro fato surpreendente. O casco do cavalo é homólogo à unha do nosso dedo médio da mão (ou à unha do dedo médio do pé). O cavalo anda na ponta dos pés de verdade, ao contrário de nós quando dizemos que andamos na ponta dos pés. O cavalo perdeu quase por completo os outros dedos. Nesse animal, os homólogos dos nossos dedos indicador e anular e seus equivalentes nos membros posteriores sobrevivem como minúsculos ossos metacárpicos, ligados ao osso “canhão”, e ficam invisíveis sob a pele. O osso canhão é homólogo ao nosso metacarpo médio, que está sob a pele na nossa mão (ou do metatarso, sob a pele do pé).

As homologias, por exemplo, com nossos dedos médios, ou com os do morcego, são totalmente claras. Ninguém poderia duvidar delas. E, como que para reforçar ainda mais o argumento, às vezes nascem cavalos com uma anomalia: três dedos em cada perna, o do meio servindo como um “pé” de cavalo normal, e os dois laterais dotados de cascos em miniatura.

Os esqueletos de todos os mamíferos são idênticos, mas seus ossos individuais diferem.

Por exemplo, o “osso da sua cabeça”, ou crânio, contém 28 ossos, a maioria unidos em rígidas “suturas”, mas com um osso móvel principal (a mandíbula). E o fascinante é que, afora um ou outro osso ímpar aqui e ali, o mesmo conjunto de 28 ossos, que claramente podem ser rotulados com os mesmos nomes, é encontrado em todos os mamíferos.

Tudo isso é igual, independentemente do fato de as formas dos ossos específicos diferirem muito entre os mamíferos.

O que concluímos de tudo isso? Restringimo-nos aqui a animais modernos, portanto não estamos vendo a evolução em ação. Somos os detetives, chegamos depois à cena do crime. E o padrão de semelhanças entre os esqueletos de animais modernos é exatamente aquele que se deve esperar de animais que descendem de um ancestral comum, alguns mais recentes do que outros.

Richard Dawkins, em "O maior espetáculo da Terra"

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Evidências da evolução – O registro fóssil

A evidência mais convincente da existência da evolução é a descoberta de organismos extintos em estratos geológicos antigos. Uma parte dos restos da biota¹ que vivia em determinado período geológico no passado permanece incrustada, na forma de fósseis, nos estratos que se depositaram naquele período. Cada estrato anterior contém os ancestrais da biota¹ fossilizada no estrato seguinte. Os fósseis encontrados nos estratos mais recentes são com frequência muito semelhantes a espécies ainda vivas ou, em alguns casos, quase idênticos. Quanto mais antigos os estratos em que um fóssil é encontrado – isto é, quanto mais distantes no tempo –, mais ele difere dos espécimes vivos. Darwin argumentou que isso seria de se esperar se a fauna e a flora dos estratos mais antigos tivessem evoluído de maneira gradual até seus descendentes, encontrados nos estratos posteriores, que são mais recentes. 

O que é especialmente convincente nas séries de animais fósseis é que cada tipo de fóssil é encontrado no estrato geológico correspondente. Assim, por exemplo, os mamíferos modernos começaram a evoluir depois do evento da extinção de Alvarez², no início do Paleoceno (há 60 milhões de anos). Nenhum mamífero moderno, portanto, deveria ser encontrado em estratos entre 100 ou 200 milhões de anos de idade, e de fato nenhum jamais foi encontrado.

Outro exemplo: as girafas se originaram em meados do terciário, há cerca de 30 milhões de anos. Seria um transtorno para todas as nossas teorias se subitamente alguém encontrasse um fóssil de uma girafa em estratos do Paleoceno, há 60 milhões de anos. É claro, porém, que nenhum fóssil desse tipo jamais foi encontrado.

Ernst Mayr, em “O que é evolução” 

¹Conjunto dos seres vivos de uma dada região
²Extinção dos dinossauros em virtude do impacto de um asteroide, ou cometa, com a Terra

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

O mal só existe quando há consciência do mal?

Por Saulo Alves de Oliveira

A existência do mal é algo que sempre me incomodou.

O mal é tudo aquilo que provoca dor ou sofrimento a qualquer ser vivo, ainda que seja por opção deste.

Por que ou para que existe o mal? Qual o seu propósito? Não sei.

O mal só existe quando quem o pratica ou quando o agente que o provoca tem consciência do mal?

Vejam o caso de um tsunami¹.

Um tsunami¹ tem consciência da devastação e das perdas irreparáveis que impõe a uma população? Não, obviamente. A pergunta vale para qualquer outro desastre natural. E a resposta é a mesma.

Eu penso que um tsunami¹ ou qualquer outro fenômeno natural que provoca devastação e perdas são coisas más, pois matam, destroem, deixam muitos órfãos, causam deformidades físicas ou mentais, pobreza e muita miséria.

Uma criança que mata outra criança, acidental ou mesmo propositalmente, tem consciência do mal que praticou? Acredito que todos concordam com o não.

Tal fato, todavia, quer dizer que a morte da outra criança não é um mal? Mais uma vez a resposta é não. Evidentemente, a criança não tem consciência do mal, portanto não deve sofrer as consequências do seu ato, mas a sua ação é terrivelmente má.

O mesmo raciocínio vale para qualquer animal quando ataca um ser humano ou mesmo outro animal.

Certamente não preciso me referir aos verdadeiros loucos ou esquizofrênicos, pois o raciocínio também é o mesmo.

Eu penso que, para o mal ficar caracterizado com exatidão, não é indispensável que os envolvidos tenham consciência do mal, mas sem dúvida deve haver alguma consciência, mesmo fora do evento, que observa e identifica o mal, isto é, um ser pensante, que pode ser eu, você ou outro ser humano qualquer, com suas faculdades mentais perfeitas e capaz de identificar a dor e o sofrimento do outro ser vivo.

¹Tsunami: série de grandes ondas que invadem a terra, às vezes atingindo vários quilômetros adentro do continente ou de uma ilha. Os tsunamis são causados por terremotos no fundo do oceano que elevam grandes volumes de água, por erupções vulcânicas ou por gigantescos deslizamentos de terra que precipitam no mar enormes volumes de terra e rocha. Só para dar uma ideia do poder destrutivo ou maléfico de um tsunami. Em dezembro de 2004 um tsunami no Oceano Índico atingiu 13 países, dentre os quais Indonésia, Sri Lanka, Índia e Tailândia. Alguns números da devastação:
- 226.306 vítimas (quantas crianças ficaram órfãs?)
- 1,8 milhão de desabrigados
- 469 mil imóveis danificados ou destruídos
- US$ 10,7 bilhões em prejuízo.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O mal está apenas na alma humana?

Por Saulo Alves de Oliveira

A existência do mal é algo que muito me incomoda.

Refletindo sobre o mal eu imaginei duas famílias de animais na savana africana. Um leopardo fêmea com seus filhotes e uma impala com sua cria.

A mãe leopardo precisa matar a impala para se alimentar e assim produzir leite para alimentar seus filhotes, e dessa forma perpetuar seus genes e sua espécie. O leopardo ataca a vítima sufocando-a com uma mordida no pescoço, inflingindo-lhe grande sofrimento. Primeiro vem o medo, em seguida a tentativa desesperada de fugir das garras da fera e, finalmente, a morte por sufocamento.

Do ponto de vista do leopardo, trata-se de um grande bem para si e seus filhotes, não há dúvida. Se não fora assim, tanto a mãe quanto os filhotes morreriam de fome.

E do ponto de vista da impala, um bem ou um mal? Sem sua mãe, sua protetora, com certeza o filhote de impala não sobreviverá. Certamente morrerá de fome ou devorado por outro predador. A Natureza é assim, cruel e implacável com os fracos, velhos ou doentes.

Alguém já disse que a Natureza não é cruel, mas apenas indiferente ao sofrimento.  

Não é porque é uma "lei de Deus" ou uma lei natural que deixa de ser um mal. Animais matando-se uns aos outros para sobreviver, e às vezes com requintes de crueldade.

Certa vez eu vi em um programa de TV dois filhotes de guepardo, talvez por inexperiência, devorando uma jovem gazela ainda viva, mordendo e rasgando a parte traseira do animal que não tinha forças para fugir.

A cadeia alimentar é uma das coisas mais terríveis e injustas que a Natureza já produziu, pois impõe muita dor e sofrimento aos seres vivos sem o consentimento destes. E isso, na minha ótica, também é o mal.

Talvez se o filhote de impala pudesse falar ele dissesse que o mal não se encontra apenas na alma humana.  

E aí vem uma outra questão das mais importantes: tudo isso é muito mais compatível com o evolucionismo do que com um ato criador de Deus.

Por que a vida não sobrevive de seres inanimados, como as rochas, por exemplo? Por que não alimentar-se diretamente dos elementos ou substâncias químicas que compõem a Natureza, evitando-se assim tanto sofrimento desnecessário?

Se eu fosse Deus teria adotado essa solução.

Existe algum exemplo disso? Sim, o espetacular caso da água. "Comemos" ou ingerimos o precioso líquido sem causar sofrimento a nenhum ser vivo.

sábado, 1 de novembro de 2014

Realidade ou delírio?

Por Saulo Alves de Oliveira

Não se pode afirmar que uma pessoa está mentindo quando ela diz que viu, ouviu ou sentiu algo que somente ela viu, ouviu ou sentiu. Refiro-me a fatos extraordinários que fogem ao racional. Se se trata de alguém conhecido pelo seu caráter honesto, certamente não está mentindo.

No entanto, não temos nenhuma obrigação de acreditar que algo é real se não nos forem apresentadas evidências convincentes de que o que foi visto, ouvido ou sentido não é simplesmente fruto da mente humana, isto é, do medo, de uma autossugestão ou tão somente delírios de um fanático.

A mente humana pode nos fazer ver, ouvir ou sentir coisas que não são reais.

Anõezinhos atrás das portas, duendes nos jardins, sonhos ou visões aterradoras do inferno, testemunhos fantásticos de coisas incomuns, vozes e vultos estranhos, e por aí vai.

Estando sozinho em casa, especialmente à noite, você já teve medo ou pavor de alguma coisa que pensou ser real e depois constatou que simplesmente não passava de fruto da sua imaginação?

Certa vez um senhor contou que estava internado num hospital e viu um anjo de branco entrar em seu quarto para curá-lo. O interessante é que ele estava no hospital exatamente porque havia se submetido a uma cirurgia. Por que o anjo não o curou em casa sem que precisasse ser operado? Parece que muitas vezes Deus precisa de uma “mãozinha” do médico.

Não é difícil alguém, ainda sob efeito da anestesia ou de algum outro medicamento sedativo, confundir um médico vestido de branco que entra em seu quarto de hospital com um ser angelical, especialmente se em sua mente os anjos são uma realidade.

Eu não posso afirmar categoricamente que ele não viu um anjo, nem posso afirmar que estava mentindo, mas posso dizer que a evidência de que ele realmente viu um anjo é muito frágil e, para mim, pouco convincente.         

Experiência pessoal.

Quando eu tinha meus doze anos de idade tive de dormir sozinho em uma sala onde havia um quadro com o rosto de uma pessoa que já havia morrido há algum tempo. Ao olhar para o quadro eu “percebia” que os olhos me acompanhavam. E isso me deixou assustado.

Felizmente meus pais sempre foram compreensivos comigo e me socorreram.

Onde estavam aqueles olhos que se moviam? Apenas na minha mente, é óbvio. 

Desculpem-me os muito crédulos, mas para mim é simples assim.

Conte-me histórias fantásticas, mas apresente-me provas fantásticas.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A aposta de Pascal

Por Saulo Alves de Oliveira

Um amigo, de confiança, me contou que leu na revista Seleções uma conversa entre um repórter e o famoso pastor norte-americano Billy Graham. O Sr. Graham é considerado por muitos como o maior pregador evangélico do século XX. Hoje, aos 95 anos, o famoso evangelista ainda vive nos EUA.

O repórter fez a seguinte pergunta: “Dr. Billy Graham, o senhor vive como se o céu existisse, e se o céu não existir?” Resposta do pregador: “Eu perdi tudo”. 

Aí Billy Graham diz: “Eu posso lhe perguntar uma coisa?” O repórter responde: “Pode sim”.

Pergunta o Sr. Graham: “E se o céu existir?” Respondeu o repórter: “Então eu é que perdi tudo’’. 

E arremata o meu amigo: “É assim, Saulo, conflito é o que não falta. Mas também contamos com bons dividendos desta nossa Fé... É meditar um pouco sobre isto.”

Todavia, a conversa entre o Sr. Billy Graham e o repórter, não me parece, ressalvadas outras considerações que me fogem no momento, algo honesto ou racional, sobretudo sob a ótica de um Deus que tudo sabe.

Alguém que crê em Deus apenas pelo risco de que ao final Ele realmente exista e assim ficará bem na “foto”, isto é, será digno da sua aprovação, não me parece nada honesto.

Tal argumento lembra muito o que chamam de “A aposta de Pascal”.

Blaise Pascal foi um físico, matemático, filósofo e teólogo francês, cristão, que viveu no século XVII. Ele morreu em 1662 aos 39 anos. Em seu livro “Pensamentos” ele expõe a ideia a seguir.

“A aposta de Pascal” é mais ou menos sintetizada da seguinte forma: “Se Deus existe, o crente ganha tudo (o céu) e o descrente perde tudo (ganha o inferno). Se Deus não existe, o crente nada perde e o descrente nada ganha. Portanto, há tudo a ganhar e nada a perder ao acreditar em Deus.”

Eu penso que esse argumento só tem valor para um deus que não é onisciente, que pode ser enganado pelas suas criaturas. Assim, o ser criado poderia supor o seguinte: “Eu realmente não creio em Deus, pois não vejo evidências da sua existência, porém vou apresentar-me como um crente [crente com o significado de ‘aquele que crê na Divindade’], isto é, vou fingir que creio, assim o Criador há de me recompensar com o céu”. Certamente Deus conhece o caráter e o íntimo das pessoas – ou não? – e sabe se e quando elas estão jogando com essa possibilidade.

Acreditar ou não em Deus, não é uma simples questão de opção.

Acreditar em Deus é algo muito mais profundo. É acreditar que Ele existe porque nada pode existir sem um criador. Esse raciocínio, entretanto, pode levar a uma regressão infinita do tipo “se nada pode existir sem um criador, quem criou o Criador?” Alguns respondem com uma resposta tola e que nada explica: Deus é um ser incriado. Melhor seria admitir nossa ignorância e responder “não sei”.

Acreditar em Deus pode ser uma questão de doutrinação na infância, daquilo que foi incutido na mente pelos pais ou pela religião, uma questão de fé. Lembra daquela historinha em que um padre diz: “Dê-me uma criança e eu a farei um cristão pelo resto de sua vida?”

Não acreditar em Deus pode ser uma questão de não encontrar explicações para coisas incompatíveis com um Deus onipotente e onisciente, como é a questão do mal.

Não acreditar em Deus pode ser uma questão de não encontrar evidências para sua existência.

Acreditar ou não em Deus não é algo que se diz apenas da boca para fora, mas é algo que está lá dentro, no mais profundo do centro das emoções, que não é apenas o material, é o intangível. 

Não posso crer em Deus pensando nesta dupla possibilidade: “Se Ele existe, eu ganho; se Ele não existe, eu nada perco”. As coisas não são assim tão simples. Afinal, crer em Deus não é como jogar uma moeda e aguardar, após a morte, se vai dar cara ou coroa. Não se joga dados com Deus.

Julgo que um ateu sincero, convicto, que não crê em Deus porque não vê evidências da sua existência, está numa posição mais confortável – se Deus realmente existe, isto é, fazendo uso do argumento de Pascal – do que um crente dissimulado, que crê apostando na possibilidade de “enganar” o Deus que tudo sabe.

sábado, 4 de outubro de 2014

Por que muitos crentes estão “marinando”?

Por Saulo Alves de Oliveira

Eu tenho a impressão de que – posso estar totalmente enganado, admito –, parece que um dos motivos porque muitos crentes estão se mostrando tão animados com a possível eleição da Marina é a expectativa de que, caso ela ganhe a eleição, passe a governar o Brasil com a Constituição de um lado e a Bíblia do outro.

(É claro que há muitos outros motivos, como, por exemplo, o ódio visceral ao PT, como se todos os milhões de petistas formassem uma legião satânica, o que não me cabe aqui questionar.)

Eu também tenho a impressão de que algumas pessoas não sabem o que é um Estado laico. Estado laico é o Estado que não é nem ateu nem religioso, isto é, não privilegia nenhuma religião em detrimento de outra, e nem o ateísmo ou a falta de religião.

A propósito disso, eu pergunto para os evangélicos de um modo geral, se bem que nem estes se entendem quanto à interpretação da Bíblia:

1. Se por acaso elegêssemos um presidente da república muçulmano, você concordaria que ele tomasse decisões baseadas no Alcorão para governar o Estado brasileiro?

2. Se o eleito fosse um judeu, você concordaria que ele tomasse decisões baseadas na Torá, ou mesmo somente no Velho Testamento, estabelecendo, por exemplo, a proibição quanto ao consumo de carne de porco?

3. Se fosse o caso de uma presidente da república adventista do 7º dia, você concordaria que ela tomasse decisões baseadas na lei mosaica, estabelecendo, por exemplo, que o dia semanal de descanso passasse a ser, obrigatoriamente, o sábado para todos os brasileiros?

4. Ou se elegêssemos uma testemunha de Jeová, você concordaria que ela mandasse para o Congresso Nacional um projeto de lei proibindo, para todos os brasileiros, a transfusão de sangue em quaisquer situações? Para quem não sabe, essa proibição é baseada na interpretação que eles fazem de textos bíblicos.

E assim eu poderia citar várias outras religiões ou crenças, como os católicos, os espíritas, os cultos afros, etc.

É claro que um presidente da república pode se basear em textos bíblicos, desde que estes textos contenham “regras” ou “mandamentos” universais, isto é, que sejam aceitos pacificamente em todo o mundo. Exemplo clássico: amar ao próximo como a si mesmo. Agora, impor regras específicas de uma religião para todo o povo brasileiro é algo inviável e irracional. Aquilo que é específico de uma religião, que seja praticado na sua igreja, no seu templo, na sua mesquita, na sua casa e na sua vida particular, não no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, nas repartições ou escolas públicas.

Não entender isso é contribuir para que o Brasil se transforme em uma Nação onde grupos religiosos se digladiem e se agridam por conta de suas convicções religiosas. E, lamentavelmente, parece que alguns pastores, pessoas inteligentes e com boa formação intelectual, estão, irresponsavelmente, incentivando essa perigosa experiência.

Há até alguém fazendo uma associação de Marina com os juízes do Velho Testamento, como se Deus fosse levantar a “juíza” Marina para converter todo o povo ao cristianismo, “evangélico”, ressalte-se.      

O interessante é que eu fiz as duas primeiras perguntas acima a um amigo e ele disse que eu estava sendo fundamentalista. Sinceramente, não entendi.

O Brasil é uma democracia, com suas muitas falhas e algumas virtudes. Ainda não conseguimos acabar com a miséria e com a grande concentração de riqueza nas mãos de uns poucos. Devemos lutar para que os ricos fiquem menos ricos e que não haja pobreza e miséria em nosso País.

Que ninguém ganhe menos que X, sendo X o salário capaz de proporcionar a uma família média as condições de viver com toda a dignidade. E que, em quaisquer situações, ninguém ganhe mais do que 10X, 20X... ou seria 30X? Não sei. O que sei é que é preciso estabelecer um padrão de ganhos mínimo e máximo para todos os seres humanos, deem a isso o nome que julgarem melhor.      

O Brasil é uma democracia, apesar dos saudosistas da ditadura. E é bom que continue assim.

Todos temos o direito de votar em quem julgamos seja o melhor para o País, ainda que errando. Marina, Aécio, Dilma... Só não podemos correr o risco de misturar política com religião, sob pena de voltarmos ao obscurantismo dos tempos medievais ou seguirmos o exemplo de alguns países do oriente onde, neste momento, religião e política se confundem numa verdadeira barbárie.       

“Marinar” faz parte do “jogo” democrático, assim como “dilmar” ou “tucanar”. O que não faz parte é achar ou pensar que Marina, se eleita, vai empunhar a Bíblia como a “espada” do Espírito e liderar os “cruzados” evangélicos, evidentemente, para livrar o Brasil dos “hereges das outras crenças ou sem crenças.            

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Às vezes o silêncio é a melhor resposta

Por Saulo Alves de Oliveira
Não respondas ao tolo segundo a sua tolice, para que também não te faças semelhante a ele.”  Rei Salomão 
Eu já ouvi ou li várias vezes alguém afirmar o seguinte: “O silêncio de Deus também é resposta”. Evidentemente, eu não concordo com essa ideia.

Ninguém escuta a voz própria de Deus em um diálogo cara a cara ou conversa olhando diretamente nos seus olhos para perceber a sua expressão de silêncio, característica daqueles que se calam diante de um questionamento ou de uma agressão verbal.

Acho que é apenas uma forma da pessoa encontrar, e dar aos outros, conforto ante os problemas da vida e assim enfrentá-los com resignação. Tem algum valor? Certamente. Para mim, entretanto, não passa de autoajuda.

Depois de muito tempo – às vezes anos e anos se passam, em alguns casos, décadas mesmo – quando, e se, o problema for resolvido, então foi Deus. Se nunca for resolvido, ou se o desfecho for trágico, também foi Deus, pois “Ele sabe o que é melhor para mim”. Assim, a pessoa se conforta ao passar pelos embates naturais da vida, e se resigna com qualquer situação.

Mas, deixa isso pra lá. Na verdade, eu quero falar sobre outro silêncio.     

Ninguém é obrigado a concordar com a visão de mundo ou com as ideias de qualquer outra pessoa, porém acho que as regras da boa convivência, da boa educação, todos devem respeitar. Isso chama-se civilidade. Grandeza de espírito.

Às vezes você posta algo na internet ou emite uma opinião e determinadas pessoas são tão indelicadas e deseducadas nos seus comentários que parecem convidar você para uma briga verbal. Se você responder no mesmo nível, talvez perca uma amizade. O mais lamentável é que parece que para tais pessoas isso não faz a menor diferença.

Nesses casos, aí sim, eu acho que o silêncio é a melhor resposta.

Todavia, acho que aqui vale também uma outra sugestão do rei Salomão, aparentemente contraditória em relação à destacada no início deste breve comentário. Cabe a mim e a você interpretá-las e fazer o uso correto dos dois conselhos.
 “Responde ao tolo segundo a sua tolice, para que ele não seja sábio aos seus próprios olhos.”

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Você obedeceria a qualquer ordem de Deus?

Por Saulo Alves de Oliveira

Ele era o rei de uma grande nação, a mais poderosa da Terra. Era o general do mais forte dentre todos os exércitos do mundo. Entretanto, também era um crente sincero em Deus. Todo o seu povo também era temente a Deus.

Existia, naquele tempo, um outro povo que não cria no Deus do grande rei. Era um povo pecador e suas práticas pecaminosas afrontavam a Deus.

Certo dia o rei afirmou: Tive uma revelação divina e Deus me disse:

- Eis que o pecado daquele povo ultrapassou todos os limites e por isso resolvi destruí-lo.

- Vai, pois, e mata todo o povo, todos os homens, mulheres e crianças.

- Do recém-nascido ao ancião, todos serão eliminados.

- Em tudo que há fôlego de vida, do ser humano ao animal, exercitarás o meu juízo, eliminando-os sem piedade.

- Destruirás e queimarás todos os seus bens, todas as suas casas e plantações.

- Também destruirás e fecharás todas as suas fontes de água.

- Cumprirás rigorosamente as minhas palavras de tal modo que aquele povo jamais volte a existir, edificando novas casas e novas plantações.

- Transformarás aquela gente em pó como a poeira que se dissipa no deserto, para que as gerações futuras nem sequer tenham conhecimento da sua existência passada.

- E Eu te abençoarei ainda mais se fizeres o que hoje te ordeno.

Na realidade, nunca soube se o rei cumpriu ou não a ordem de Deus.

Então, quando lembro dessa história eu me pergunto: "Se eu fosse aquele grande rei, o que eu faria? Obedeceria a ordem de Deus ou não?"

Bom, depois de refletir um pouco eu cheguei à seguinte conclusão: eu faria algumas ponderações com o objetivo de demovê-Lo de tal propósito, mas, se Ele insistisse, minha resposta seria "não".

E você, qual seria a sua atitude?   

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O Deus antropomórfico

Por Saulo Alves de Oliveira

De vez em quando ouço alguém afirmar que quem desafia a Deus ou blasfema morre tragicamente. Aí citam os exemplos de John Lennon, Tancredo Neves, Cazuza e outros mais.  

Eis o que dizem das três personalidades citadas nominalmente:

JOHN LENNON: Alguns anos depois de dar uma entrevista a uma revista americana, disse: “O cristianismo vai se acabar, vai se encolher, desaparecer. Eu não preciso discutir sobre isso, eu estou certo. Jesus era legal, mas suas disciplinas são muito simples. Hoje, nós somos mais populares que Jesus Cristo. (1966)”

No dia 8 de dezembro de 1980 um homem chamado Mark Chapman sacou um revólver e disparou cinco vezes contra Lennon, dos quais quatro tiros acertaram o ex-Beatle, matando-o.

TANCREDO NEVES: Na ocasião da campanha presidencial, disse que se tivesse 500 votos do seu partido, nem Deus o tiraria da presidência da República. Os votos ele conseguiu, mas o trono lhe foi tirado antes de tomar posse.

Em 1985 Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil pelo voto indireto de um colégio eleitoral, entretanto, em 14 de março daquele ano, dia anterior à posse, adoeceu gravemente e não pode assumir o cargo. Faleceu no dia 21 de abril do mesmo ano. 

CAZUZA: Em um show no Canecão, no Rio de Janeiro, deu um trago em um cigarro de maconha, soltou a fumaça para cima e disse: Deus, essa é para você! Nem precisa falar em qual situação morreu esse homem.

No dia 7 de julho de 1990, aos 32 anos, Cazuza morreu de complicações causadas pela AIDS. 

(Uma observação: não faço nenhum julgamento acerca das citações ou comportamentos das três personalidades referidas acima. Diz-se até que não há provas das palavras atribuídas a Tancredo Neves.)

Antes de qualquer conclusão precipitada, é importante analisar as evidências a fim de verificar se certas proposições são falsas ou verdadeiras.

Para isso, faço os seguintes questionamentos:

1 – Todas as pessoas que blasfemam ou desfiam a Deus morrem invariavelmente de forma trágica?

Se a resposta é sim, há uma forte evidência de que a proposição inicial é verdadeira. Se a resposta é não, há uma forte evidência de que a proposição inicial é falsa.

2 – Todos os crentes tementes a Deus morrem invariavelmente de forma natural e nunca tragicamente?

Se a resposta é sim, há uma forte evidência de que a proposição inicial é verdadeira. Se a resposta é não, há uma forte evidência de que a proposição inicial é falsa.

Para que a proposição inicial seja indiscutivelmente verdadeira é fundamental que as respostas às duas perguntas sejam sempre “sim”. Todavia, essa não é a realidade dos fatos. Basta apenas que você faça uma retrospectiva honesta dos casos de acidentes trágicos que você conhece. Crentes e ateus, blasfemos ou não, morrem ou de modo natural ou de forma trágica, indistintamente.

Portanto, meus amigos, gostaria de lhes dar uma sugestão, mas se vocês não concordarem, tudo bem, continuem fazendo a mesma coisa.

Parem com essa ideia tola de divulgar que quem desafia a Deus ou blasfema ou não crê em Deus morre tragicamente. As pessoas morrem porque todos os seres humanos morrem, de forma natural ou trágica.

Eu poderia citar exemplos de pessoas que viveram toda a sua vida combatendo a crença na existência de Deus, e algumas até de forma contundente e agressiva, e tiveram uma vida longa, chegando próximo ou ultrapassando os 100 anos e morreram segundo o curso natural da vida. Enquanto isso, crianças que nem sequer sabem quem é Deus estão morrendo todos os dias de forma trágica e dolorosa.

Não se deixem levar por crenças sem sentido. Não acreditem em algo simplesmente porque satisfaz sua crença e lhes faz bem.

Sinceramente, a impressão que eu tenho é que o Deus de certas pessoas é um ser antropomórfico, ranzinza, irritadiço, sem nenhum controle emocional e, sobretudo, vingativo, talvez um dos piores sentimentos humanos.     

domingo, 3 de agosto de 2014

Não defendo Israel incondicionalmente

Por Saulo Alves de Oliveira

A propósito dos últimos acontecimentos envolvendo os palestinos e Israel, esta é a minha opinião. É evidente que minha opinião só tem sentido em um contexto cristão, especialmente evangélico, pois os não cristãos não levam em consideração o que a Bíblia diz a respeito dos judeus.

Não amaldiçoo Israel. Apenas não o apoio de forma incondicional, aliás, ninguém, ninguém mesmo tem o meu incondicional e absoluto apoio, inclusive Israel. E isto independe do que a Bíblia diz a respeito.

Se alguém sugerir que estudando ou conhecendo mais a Bíblia eu vou concordar com a ideia de que se deve orar e desejar paz apenas para Israel, ou concordar incondicionalmente com Israel, ou ainda que vou passar a entender que tudo que os israelenses fazem é correto e justo, devo dizer que isso jamais acontecerá, qualquer que seja a interpretação da Bíblia que ratifique esse entendimento.

Observe, nem para todos os israelenses isso é unanimidade. Há algum tempo um jovem de 19 anos preferiu ser preso a ter que, servindo ao exército do seu país, assassinar palestinos. Leia aqui a entrevista de um israelense, reservista do exército, que, para não colaborar com os massacres de Gaza, resolveu fugir para a Holanda e assim se dispõe a anos de prisão.
 
Até Moisés, o grande legislador judeu, que viveu há milhares de anos, teve atitudes que questiono e julgo verdadeiras barbáries. Vou dar apenas um exemplo. Leia Nm. 31.1-24 e você verá uma das histórias mais terríveis que já li. Um massacre cruel e covarde cometido pelos israelitas sob o comando de Moisés.

Não há, não houve e jamais haverá como justificar o assassinato de seres humanos indefesos, desarmados e, em especial, inocentes. Ainda que alguém se julgue incumbido dessa tarefa por Deus. E foi exatamente isso o que Moisés ordenou.

Hoje, sob o ponto vista da moral, tais procedimentos são injustificáveis. Hoje, se vivo fosse, certamente Moisés seria julgado por crimes contra a humanidade.

Veja o que disse o Sr. William Lane Craig, um dos grandes defensores da fé cristã da atualidade, ao justificar o extermínio dos cananitas: “Então o que Deus faz de errado ao comandar a destruição dos cananitas? Não os cananitas adultos, porque eles eram corruptos e mereciam o julgamento. Não as crianças, porque eles herdaram a vida eterna. Então quem é o transgressor? Ironicamente, eu penso que a maior dificuldade de todo este debate é o aparente erro que os soldados israelenses fizeram a si mesmos. Você pode imaginar que seria como ter que invadir uma casa e matar uma mulher aterrorizada e seus filhos? O efeito brutal nestes soldados israelenses são perturbadores.”

Irônica é a opinião do Sr. Craig. Que vergonhosa, cínica e repugnante inversão de valores! Os agressores assassinos é que são as vítimas desse empreendimento que envergonha e empobrece a história da humanidade.   
 
Será que os israelitas de hoje ainda vivem no tempo do “olho por olho, dente por dente”? Me parece que sim. Talvez se inspirem em Moisés, que trucidou – ou mandou trucidar – cruel e covardemente milhares de seres humanos.

Há ainda outro aspecto a considerar. A Bíblia pode ser usada para resolver conflitos entre cristãos. Ainda assim tenho sérias dúvidas acerca dessa proposição, pois nem mesmo os cristãos se entendem quanto a sua interpretação.

Veja como isto é perturbador. Lutero, aquele famoso monge católico que no século 16 teve a revelação de Deus para interpretar a Bíblia e revoltar-se contra certas práticas da Igreja Católica, não teve a mesma iluminação de Deus para aceitar os judeus como o povo eleito, pois ele “...chegou a pedir que ateassem fogo às sinagogas e escolas judaicas, além de afirmar que os judeus deveriam ter as casas destruídas, assim como os bens e livros religiosos apreendidos”.

Martinho Lutero foi “um exemplo assustador do cristianismo antijudaico”.

A que ponto chegou a intolerância religiosa de um ícone do protestantismo, reverenciado hoje por muitos como o grande reformador do cristianismo! Atitude extremista que repudio veementemente. Da mesma forma que repudio as atitudes de Moisés e de Benjamin Netanyahu.  

A Bíblia é aceita como “O Livro” apenas pelos cristãos, e ainda assim nem mesmo todos os cristãos têm o mesmo entendimento quanto ao que ela ensina. Se não fosse assim não existiriam tantas Igrejas e doutrinas diferentes e, o que é pior, tão divergentes. Nem mesmo os próprios judeus a aceitam em sua totalidade como A Palavra de Deus e nem sequer acreditam que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E nisto residia a atitude bárbara e condenável de Martinho Lutero em relação aos judeus.

A Bíblia não pode ser usada para resolver todos os problemas do mundo, pois ela não é unanimidade como Palavra de Deus. A maior parte dos povos do mundo tem outros livros sagrados como seus orientadores morais e religiosos. Pretender impor à força a Bíblia ao mundo é algo que ultrapassa as raias da loucura.

Como se pode convencer um muçulmano, um budista, um hindu, um ateu... que Israel é o povo eleito se eles não têm a Bíblia como A Palavra de Deus? É tarefa impossível.

Apenas cerca de 1/3 da população mundial é formado por cristãos, com todas as suas diferenças, muitas vezes irreconciliáveis. Então, vamos impor aos outros povos que Israel é a nação eleita, porque a Bíblia assim o afirma?

Para 2/3 do mundo Israel é apenas mais um povo que habita este planeta e deve se submeter às regras e leis dos organismos internacionais como todos os outros povos, independentemente do que a Bíblia diz a seu respeito. E isso me parece o racional.

Há ensinamentos bíblicos que são universais e podem e devem ser ensinados a todos os povos, como é o caso do amor ao próximo. Quanto à eleição de Israel e sua imposição ao mundo como povo especial, é simplesmente impraticável.

A propósito, se judeus e palestinos se amassem não haveria guerra entre os dois povos.

Os crimes e o terrorismo do Hamas não justificam os crimes hediondos de Israel.

O mais impressionante e irônico em toda essa história, quer me parecer, é que os cristãos, em nome da defesa incondicional de Israel, se esquecem dos ensinamentos daquele a quem os judeus nunca aceitaram como O Messias. 

Portanto, e para concluir, quero deixar clara minha opinião. É muito simples. Se Israel é injustiçado e sofre agressões eu estou do lado de Israel. Se Israel comete injustiças e faz agressões, inclusive contra o povo palestino, eu fico do lado oposto a Israel.    

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Divagação sobre Deus, Lúcifer e o Homem

Por Saulo Alves de Oliveira

Deus criou Lúcifer perfeito, mas com a possibilidade de escolher o mal, e foi o que aconteceu.

Como se explica que, de um ser que era intrinsecamente bom, pois tudo que Deus fez era bom, pôde surgir de repente a iniquidade?

Tudo era luz e, do meio da luz, surge as trevas.

O mal que surgiu no coração de Lúcifer veio do nada?

“Uma árvore boa não pode dar frutos maus; nem uma árvore má dar frutos bons”, já dizia o Filho daquele que criou Lúcifer.  

Onde estava o mal, a iniquidade, para que Lúcifer pudesse optar?

Ora, teria sido Deus apanhado de surpresa, porquanto não sabia que Lúcifer iria se revoltar contra Ele?

Claro que não, pois do contrário Deus não seria Deus. 

Se Ele sabia (Deus é onisciente), Ele poderia ter evitado (Deus é onipotente), entretanto não evitou.

Portanto, racionalmente só posso concluir que Deus teve responsabilidade no surgimento do mal, se é que Lúcifer é a razão de todo o mal entre os seres humanos.

Deus criou o Homem perfeito, mas com a possibilidade ou o livre arbítrio para escolher ou não o mal, e lamentavelmente a segunda opção foi a vencedora.

O próprio Deus criou o cenário para que tal espetáculo tivesse a possibilidade de acontecer, ao colocar no jardim a árvore do conhecimento do bem e do mal.

Deus para ser Deus não precisava ter criado este minúsculo e insignificante planeta e colocado aqui um ser que Ele, Deus, sabia que iria cair e assim transmitir aos seus descendentes toda a miséria e maldade que já aconteceu na Terra, está acontecendo e ainda vai acontecer.

E o pior: Deus sabia que, em consequência da atitude dos primeiros pais, teria de lançar no tormento eterno uma multidão enorme de seres humanos.

Sabendo antecipadamente tudo que iria acontecer, ainda assim Deus decidiu criar o ser humano, cuja não existência não lhe fazia falta alguma.

Portanto, racionalmente só posso concluir que Deus tem sim responsabilidade quanto a tudo que aconteceu e está acontecendo em nosso sofrido planeta Terra. 

domingo, 22 de junho de 2014

Noé e as sete perguntas a Deus

Por Saulo Alves de Oliveira

Quando eu era criança meu pai contava, nos cultos domésticos, várias histórias bíblicas. Eu gostava muito das histórias de Adão e Eva, do pequeno Moisés, José do Egito, Davi e Golias e tantas outras.

Entretanto, dentre todas as histórias bíblicas uma das mais interessantes era a de Noé. Normalmente a história de Noé é contada para as crianças de forma suavizada, sem a carga emocional e sem ênfase na crueldade que ela encerra.

A visão que se transmite é aquela de uma enorme fila de animais caminhando obedientemente lado a lado para dentro de um enorme navio, pois Deus, misericordiosamente, não quis destruir por completo toda a vida na Terra. Hoje, evidentemente, não sou mais criança e vejo a história do velho patriarca com outros olhos.

Como consequência do pecado da humanidade, Deus resolveu destruir com um grande dilúvio quase todos os homens e animais terrestres e aves que habitavam a Terra. Deus decidiu preservar apenas o “justo” Noé, sua família e casais de exemplares de todos aqueles animais. Para salvar os escolhidos, Deus mandou Noé construir, previamente ao grande dilúvio, uma enorme arca.

Depois de muitos anos o navio foi finalmente concluído. Então, Noé, sua família e os animais escolhidos entraram no grande barco. Deus fechou a porta por fora e em seguida mandou muita chuva, mas muita chuva mesmo, de forma tal que toda a terra submergiu sob as águas e todos os que ficaram do lado de fora morreram afogados, inclusive todas as crianças e animais – inocentes, ressalte-se.              

Acho razoável admitir que todos os peixes e os outros animais marinhos não foram eliminados. Sem dúvida foram privilegiados (Por quê?).  

O interessante é que tudo isso foi informado previamente a Noé e ele não esboçou a menor intenção de questionar essa decisão de Deus, tal qual fez Abraão no episódio da destruição de Sodoma e Gomorra.

Noé, entretanto, poderia ter feito as seguintes perguntas a Deus:

“Senhor, por que Tu não ages de forma seletiva e preservas todos os inocentes?”

“Por que não salvas todas as crianças e eventualmente alguns justos que existam sobre a terra?”

“Dos pecados dos homens, que culpa têm os animais?”

“Por que não preservas todos os animais? Há algum sentido em matá-los?”

“Deve o inocente sofrer as consequências do pecado dos maus?”

“Por que não fazes justiça para com todos os inocentes?”

Se eu fosse Noé teria feito tais perguntas a Deus.

E você, teria feito o mesmo? Ou não?

sábado, 7 de junho de 2014

Aos virtuosos e aos canalhas

Eis o que um “amigo” me falou:

Não me parece tarefa nada fácil o próprio indivíduo descrever o seu caráter moral e a sua personalidade. Se me fizessem tal sugestão, certamente eu não teria condições de fazê-lo de forma imparcial. Julgo que é muito difícil falar acerca de si próprio sem ser indulgente consigo mesmo. Quem sabe pouquíssimas pessoas no mundo tenham essa capacidade. “Sair” do próprio corpo, ver-se à distância e analisar, com isenção, suas virtudes e falhas deve ser um exercício extremamente complicado, e até interessante.  

Possível? É provável. Talvez  para aqueles que atingiram um nível espiritual muito elevado. E com certeza eu não estou nesse seleto grupo de seres que a Terra já produziu.

Entretanto, com base em avaliações de parentes, amigos e conhecidos parece que esse meu “amigo” é uma pessoa calma, ponderada, pacífica e às vezes até passivo demais. Não tenho certeza se isso é bom ou ruim em todos os momentos da vida. Parece que há situações em que a pessoa precisa gritar, perder um pouco o controle e se impor de forma mais contundente.

Já ouvi falar de alguém que era “manso e humilde de coração” e certa vez saiu derrubando mesas e cadeiras de mercadores e cambistas dentro de um templo. E essa pessoa tinha um açoite de cordas na mão. Quer me parecer que um açoite de cordas não é propriamente um instrumento para gentilezas, mas para atitudes ríspidas e de enfrentamento. Ou não?  

E continuou o meu “amigo”:

Todavia, independentemente de qualquer adjetivação que me seja atribuída, hoje eu quero me dar o direito de transgredir quaisquer virtudes que me caracterizam. Hoje eu quero me dar o direito de perder a paciência e desabafar, quem sabe até xingar.

Se você acha que o Brasil, por qualquer motivo, não deveria sediar a Copa do Mundo de Futebol, você tem todo o meu respeito. 

Se você acha que há no País coisas muito mais importantes do que a Copa para preocupar os governantes, eu concordo com você.

Se você acha que os governantes foram – e estão sento – incompetentes na preparação do Brasil para a Copa, essa também é a minha percepção.

Nesse momento ponderei: Caro “amigo”, só faço uma ressalva: por que as pessoas só culpam o governo federal pela não conclusão das obras a tempo? Parece até que os governadores e prefeitos das cidades sedes não se empenharam para trazer a Copa para as capitais dos seus estados e não têm, provavelmente, a maior parte da culpa pelos atrasos das obras! Por que não criticar também todos os governadores e todos os prefeitos das cidades sedes?

Parece que meu “amigo” não deu muita atenção à minha observação e continuou:

Se você acha que houve corrupção nas obras da Copa ou nas obras de mobilidade urbana, eu não posso simplesmente dizer que concordo com sua observação, mas admito que é possível, dado o histórico de malversação dos recursos públicos em nosso país. Afinal de contas a inteligência pode não ser minha maior virtude, mas não sou tão estulto assim. Todavia, entendo que não se pode acusar ninguém sem provas.

Se você acha que o Brasil deixou de investir em saúde e educação por conta da Copa, eu não concordo com você, mas compreendo sua indignação.

Se você acha que o Brasil precisa investir mais em saúde, educação e segurança e gerir melhor esses recursos, eu estou de pleno acordo com sua opinião.

Se para você tanto faz o Brasil perder ou ganhar a Copa, tudo bem, trata-se de uma questão pessoal e de consciência de cada um, não me cabe fazer qualquer julgamento. Ninguém é pior ou melhor por isso.

Se um ou mais desses perfis o caracterizam, você é uma pessoa do bem.

Sugiro, a essa altura, que não continue lendo este texto, pois meu “amigo” perdeu o controle a partir daqui.

Mais uma vez o meu “amigo”:

Todavia, qualquer brasileiro – inclusive você, Saulo, se for o seu caso – que porventura torce para que a Copa seja um fiasco, não passa de um canalha.

Se você torce para que a Copa seja um caos, para prejudicar partido A ou B e beneficiar partido C ou D, você é um crápula da pior espécie.

Se você torce para que haja nestes dias uma convulsão social que imponha medo e pavor aos turistas estrangeiros e nacionais, e manche a imagem do Brasil lá fora, você não passa de um verme vil e abjeto. 

Se você torce para que haja uma catástrofe ou um grave acidente de repercussão internacional, você vale menos que a pasta informe que o gado libera nos campos ao esvaziar seus intestinos. Os excrementos do gado ao menos têm alguma serventia: adubam a terra e fazem as plantas crescerem. Quanto a você...

Se você se enquadra em qualquer um desses perfis, você é uma pessoa do mal. Portanto, não tenho interesse algum em manter qualquer relacionamento de amizade com pessoas dessa espécie, seja você de perto ou de longe, tenha o mesmo sangue ou não, esteja sentado na cadeira principal ou no último banco.

E assim, abruptamente, meu “amigo” terminou suas palavras.

Após refletir algum tempo, qual foi minha reação?

Concordo com tudo o que você falou, caro “amigo”.

Saulo Alves de Oliveira