domingo, 25 de agosto de 2013

Ingenuidade, crendice ou superstição

É acreditar que Papai Noel existe;

É acreditar que a mezuzá judaica pode proteger;
É acreditar que o toque no Muro das Lamentações em Jerusalém pode atrair bênçãos;
 
É acreditar na infalibilidade do Papa;
É acreditar que a hóstia consagrada é o corpo humano de “Nosso Senhor Jesus Cristo”;
É acreditar nas crianças pastorinhas de Fátima;
É acreditar nas pílulas do Frei Galvão;
É acreditar em imagens que choram e produzem milagres;
É acreditar no sinal da cruz;



É acreditar no poder das águas do rio Ganges;

É acreditar em caixinha de promessas;
É acreditar em revelações ou profecias genéricas que se adaptam a qualquer pessoa;
É acreditar que a Bíblia aberta no Salmo 91 traz alguma proteção;
É acreditar na teologia da prosperidade;
É acreditar que mãos espalmadas à frente do corpo recebem bênçãos;
É acreditar que semeando-se R$ 900,00 colhe-se o fruto dos bens materiais;

É acreditar em contatos com os mortos;
É acreditar em passe espiritual;

É acreditar que amuletos protegem;
É acreditar em benzedeiras;
É acreditar em mau-olhado ou olho gordo;
É acreditar que plantas – como a espada de São Jorge – trazem o mal para dentro de casa;

É acreditar que tem um anãozinho atrás da porta;
É acreditar em duendes, fadas e gnomos;

É acreditar em despacho nas encruzilhadas;
É acreditar em bruxarias;

É acreditar no chá do Santo Daime;

É acreditar que visões ou audições de vozes são coisas do diabo;
É acreditar na cruz vazada;
É acreditar no poder do sal grosso ou da folha de arruda;
É acreditar que a água do rio Jordão ou que o óleo de Israel fazem milagres;
É acreditar no toque no manto santo;
É acreditar em descarrego;
É acreditar em toalhinhas ungidas;

É acreditar que Papai Noel existe.

Eu poderia encher páginas e mais páginas, mas acho que esses exemplos são suficientes para dar uma boa ideia da quantidade de ingenuidade, crendices e superstições que tanto atormentam os seres humanos ou que, como um verdadeiro placebo, até levam algum conforto para quem sofre ou mesmo, é possível, a cura para certas doenças.

Saulo Alves de Oliveira

domingo, 18 de agosto de 2013

Protestar contra o governo? Antes não, agora pode

“Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus.

Por isso quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação.

Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás o louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em ira contra aquele que pratica o mal.

Pelo que é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa da ira, mas também por causa da consciência.

Por esta razão também pagais tributo; porque são ministros de Deus, para atenderem a isso mesmo.

Dai a cada um o que lhe é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra.”          
                                                                                                                   Romanos 13.1-7

Eu vivi parte da minha infância, toda a minha adolescência e juventude e parte da minha vida adulta sob o regime da ditadura militar que se implantou no Brasil a partir de 1964.

Lembro-me muito bem que, evocando-se o texto acima, as pessoas eram compelidas, ou doutrinadas na igreja que eu frequentava, a não falar mal – ou, de modo mais ameno, protestar – contra o governo. Ademais, havia o medo de ser taxado de subversivo. Aí as coisas poderiam ficar complicadas.

Lembro-me também que havia uma certa aversão à política e as pessoas que por acaso se candidatavam a algum cargo eletivo só o faziam pelo partido que apoiava a ditadura, isto é, ARENA (Aliança Renovadora Nacional), que, em 1980, foi sucedido pelo PDS (Partido Democrático Social).

Entretanto, o que é que alegavam naquela época? Que “... não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus”. Portanto, “... quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus...”. E os generais ditadores certamente foram ordenados por Deus.

Tempos depois, para nossa satisfação, as coisas mudaram e hoje os evangélicos podem se candidatar livremente. Acredito que quase todos os partidos, se não todos, contam com evangélicos em seus quadros.

Hoje, felizmente, nós vivemos em um regime democrático e qualquer pessoa pode falar mal e protestar contra o governo. Até dizer que a presidente Dilma é um anticristo – não “o” anticristo, obviamente –, como disse um conhecido pastor deste estado.

Todavia, o texto bíblico ainda é o mesmo. E por que agora se pode protestar contra o governo?  

Porque o mesmo texto – dizem os protestadores – ainda afirma que “... os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal”. E, como o governo atual, ele próprio – tal qual o anterior também –, está apoiando o mal, ao propor ou apoiar medidas que contrariam a Bíblia ou os pontos de vista dos cristãos, os protestos contra o governo hoje se justificam e são legítimos.

Acontece, no entanto, que a ditadura não só apoiava medidas que contrariavam a Bíblia. Ela própria executava ações que contrariavam a Bíblia. Afinal de contas, naquela época vários opositores do governo foram sequestrados, presos, torturados e muitos foram mortos ou desapareceram e até hoje os familiares não sabem onde estão seus corpos. Todavia, se alguém puder me provar que sequestrar, torturar, matar e sumir com corpos humanos está de acordo com a Bíblia, eu me calo e retiro este comentário do meu blog.

Bom, em qual contexto foi escrito o texto citado no início?

Pessoalmente, eu não vejo com muita simpatia essa prática de citar contexto histórico para interpretar certos textos bíblicos, pois muitos usam esse argumento para dar a interpretação que melhor lhes convêm. Alguns também costumam dizer “Porque no grego ou no hebraico ou no aramaico tal palavra quer dizer isso e aquilo” e mudam realmente o sentido do que está escrito em português.

Eu acho que, se a Bíblia é a palavra de Deus, não deveria de modo algum haver necessidade de se entender o contexto histórico nem de se recorrer a línguas antigas para interpretá-la, aliás, eu julgo que a Bíblia não deveria precisar de interpretação, mas ser clara e transparente para o entendimento de quaisquer pessoas, leigos ou doutores.   

Eu sou brasileiro, não falo grego nem hebraico ou aramaico. Então, para entender as doutrinas bíblicas eu preciso aprender tais idiomas em suas versões antigas?

Eu necessito ler a Palavra de Deus em meu idioma nativo exatamente como originalmente inspirada por Deus. E essa preocupação não cabe a mim, mas a Deus, seu autor e inspirador.

A Bíblia não é um livro comum escrito por um grande filósofo. Não é este o entendimento de todos os cristãos? Não foi Deus que a inspirou? Não teria Ele o poder de fazê-la perpassar intacta ao longo dos anos, conforme o original, inclusive nas suas traduções para os diversos idiomas?   

Eu entendo que, se Deus a inspirou e tem o controle de tudo, a Bíblia deveria estar escrita, em qualquer que seja o idioma, de modo tal que todos a lessem e a entendessem exatamente da mesma forma, sem necessidade de recorrer ao grego, hebraico, aramaico ou contexto histórico. Caso contrário, a compreensão da Bíblia em toda sua plenitude ficará reservada apenas aos grandes doutores, teólogos ou exegetas. Não ao homem comum, como este beócio semiaprendiz de escritor, que vos incomoda com este comentário elementar.

Foi só uma divagação. Voltemos ao contexto histórico.

O apóstolo Paulo escreveu a epístola aos romanos entre os anos 57 e 58 da era cristã, por ocasião da sua terceira viagem missionária. Ele estava visitando a cidade de Corinto quando a redigiu.

E quem era o imperador romano naquela época? O Sr. Lúcio Domício Enobarbo, mais conhecido como Nero Cláudio César Augusto Germânico, ou simplesmente Nero.       

Nero começou a governar no ano 54 da era cristã, aos dezesseis anos de idade, e seu reinado durou até o ano 68, quando suicidou-se após um golpe de estado, que teve, segundo os historiadores, o apoio do senado romano.

Dizem que os primeiros anos de seu reinado foi um período de boa administração. No entanto, segundo os historiadores, Nero envenenou seu meio-irmão, ou primo, Britânico em 55, ordenou o assassinato de sua mãe em 59, mandou matar sua primeira esposa Cláudia Octávia em 62, provocou com um pontapé a morte de sua outra esposa Popeia Sabina, que estava grávida, e promoveu uma cruel perseguição contra os cristãos.  

É verdade que a maior parte dos fatos relatados acima ocorreu depois que o apóstolo escreveu sua epístola, porém, como cidadão romano que era, certamente Paulo tinha conhecimento de que Nero não era um cidadão do bem. E ele escreveu esse ensinamento exatamente para os romanos que viviam diretamente sob o jugo de Nero.

Além disso, o Velho Testamento está repleto de líderes religiosos e políticos que foram ordenados por Deus, os quais cometeram deslizes gravíssimos e até crimes horrendos. Vou citar apenas quatro dos mais conhecidos e festejados: Abraão, Moisés, Josué e Davi. Hoje, se vivo fosse, com certeza Moisés seria julgado por crimes contra a humanidade. E certamente Paulo conhecia suas histórias muito bem.
  
Portanto, não me parece que Paulo quis dizer aos romanos que somente os magistrados do bem foram ordenados por Deus, mas todos. Ele foi claro e direto: “...e as [autoridades] que existem foram ordenadas por Deus.” As autoridades, por sua vez, devem fazer o bem, se não o fazem, aí é outra história. Vou usar a mesma argumentação ridícula que muita gente usa quando não quer se comprometer ao ouvir críticas a algum líder religioso que age de forma indevida: “Isso é com Deus, se Ele o colocou lá, a Ele cabe tomar providências”.

Se alguém ainda tem alguma dúvida acerca do que Paulo pretendeu ensinar aos romanos, leia Tt. 3.1,2. A epístola a Tito foi escrita possivelmente nos anos 65 ou 66, quando o apóstolo já sabia muito bem quem era Nero.  

Leia também Ex. 22.28; Ec. 10.20; At. 23.5; 1 Pd. 2.11-17.  

Podemos não concordar com Paulo, e, ao invés de tentar contornar uma situação que está clara na Bíblia, deveríamos ser mais honestos e afirmamos claramente: “Não concordo com Paulo, isso não se aplica aos nossos dias.” E este não é o único caso.

Para concluir e deixar clara minha opinião.

Devemos respeitar todas as autoridades, no entanto temos o direito e devemos protestar ou criticá-las quando suas atitudes agredirem a moral, a justiça e os direitos de todos os cidadãos, sejam tais autoridades de direita ou de esquerda, na democracia ou na ditadura – que alguns querem ver de volta ao Brasil, porém tomara que isso jamais aconteça –, quer sejam simpáticas ao cristianismo ou não, ou a quaisquer outras religiões.    

Saulo Alves de Oliveira