domingo, 21 de outubro de 2012

Eleição na floresta

Águia americana
A floresta estava em grande agitação. É que estavam próximas as eleições para escolha dos representantes dos animais no Conselho da Floresta.

Havia muitos candidatos aos cargos no Conselho. Do pequeno e frágil Esquilo ao grande e poderoso Elefante. Nesse meio, cinco animais se destacavam. Eram conhecidos pelos nomes de Águia, Búfalo, Cobra, Dingo e Carneiro.

Interessante é que todos eles professavam os mesmos princípios morais e diziam que eram “a Luz da floresta” e “o Sal das matas”, numa alusão às suas supostas práticas de higiene moral em relação aos demais animais considerados sujos e impuros. Ah, todos diziam também que só eles iriam morar com o “Poderoso Reis dos Animais, o Grande Leão”, quando este estabelecesse o seu grande reino de justiça na floresta. Afirmavam também que os outros animais, que não compartilhavam as suas ideias, seriam jogados no vulcão cheio de lava ardente e lá permaneceriam para sempre.              

Na eleição anterior, Águia tinha sido candidata a um cargo no Conselho da Floresta. Búfalo, seu amigo, dera todo o apoio a Águia. Esta, entretanto, não teve êxito em sua campanha e, evidentemente, não foi eleita.

Passadas quatro primaveras, agora era tempo de nova eleição. Não sei por qual motivo Águia não quis se candidatar novamente. Então foi a vez de Búfalo. Como Búfalo era seu amigo, Águia, agradecida pelo apoio que tivera na campanha anterior, resolveu apoiá-lo agora e trabalhar pela sua eleição.

Acontece que Cobra, de escrúpulos questionáveis, também se candidatou e, por sua característica física furtiva rastejante, dominava várias áreas da floresta, além de ter fácil acesso a animais mais poderosos.

(Se fosse no mundo dos humanos eu diria assim: tem muito dinheiro e muita influência sobre alguns grupos sociais bem organizados, especialmente no que diz respeito às pessoas mais pobres ou carentes e menos politizadas, além do apoio de um grupo político forte)

Cobra, então, resolveu “negociar” – para usar uma palavra mais suave – o apoio de alguns emplumados ou quatro patas.

Chamou Águia e disse: “Abandone a campanha de Búfalo e venha para o meu lado que você será muito bem recompensada. Eu posso conseguir para você a concessão de um grande despenhadeiro a partir do qual você poderá apresentar, para toda a floresta, seus belos e majestosos voos”. Águia pensou um pouco... por instantes hesitou... a proposta era tentadora e a fez balançar. Águia queria muito ter um elevado paredão rochoso para, do alto, mostrar a todos os animais da floresta a sua perícia como exímia voadora. Era uma oportunidade ímpar. Porém o compromisso com Búfalo falou mais alto e ela disse “não”.

Dingo, cão selvagem australiano
Dingo, um jovem cão australiano, ocupava uma posição de liderança entre os de sua idade, apesar de não ser filho do casal alfa, líder da sua matilha.       

Dingo fora um dos primeiros a demonstrar solidariedade a Búfalo e se comprometera com seu projeto político a partir da primeira hora. Eram amigos desde criança.

Cobra, no entanto, com toda a sua sagacidade, apesar da pouca idade, chamou Dingo para uma conversa particular e disse-lhe: “Se você deixar a campanha do Búfalo e passar a me apoiar, eu lhe garanto um bom emprego no Conselho, com boas porções de carne todo mês, caso eu seja vitorioso”. Dingo, ainda sem muita perspectiva de um bom futuro na sua matilha, não teve dúvidas: “Às favas honra e compromisso. Eu quero mesmo é arranjar um bom emprego”. E prontamente disse “aceito”.

Carneiro, por sua vez, era o líder de um grupo de animais. Era ele quem guiava as ovelhas nos momentos da alimentação e também as conduzia às fontes de água. Era ele quem ajudava os fracos e doentes e sempre tinha uma palavra – ou seria um berro? – de consolo quando um predador atacava um membro do grupo, levando-o muitas vezes à morte. Todos os elementos do seu grupo tinham plena confiança em Carneiro. Talvez no mundo dos humanos ele pudesse ser comparado a uma espécie de líder espiritual, a quem todos prestam certa obediência.

Cobra, sempre astuta, viu nessa circunstância uma ótima oportunidade para tirar proveito. Imediatamente convidou Carneiro para um encontro a sós em sua toca e foi logo perguntando: “Qual a maior necessidade do seu grupo social?” Ao que Carneiro respondeu: “Eu preciso muito de uma fonte exclusiva de água para o meu rebanho”.

A matreira Cobra percebeu de imediato a possibilidade de ganhar muitos votos e foi logo propondo: “Você terá sua fonte, tão somente me garanta o seu total apoio e os votos do seu rebanho”. Carneiro, para quem escrúpulos e caráter eram coisas flexíveis, percebeu uma ótima oportunidade de se apresentar como benfeitor do seu grupo. Então, sem demora, respondeu “negócio fechado”.

E Cobra continuou sua caminhada sórdida rumo às eleições. Negociava o apoio de um aqui, dava um presente a outro ali e assim comprava consciências e votos. Os menos desavisados ou crédulos – ou seria interesseiros? – faziam campanha para ela e afirmavam: “Esse é o ofídeo que vai representar o nosso grupo social lá no Conselho da Floresta e vai levantar a bandeira do Grande Leão”.

Passado algum tempo, chegou o dia da eleição. Todos os animais votaram em completa ordem. Do inquieto Suricato ao poderoso Rinoceronte. Juntos, leões e hienas, leopardos e gazelas. Apurados os votos, eis o resultado: Cobra foi eleita com uma expressiva votação. Quanto a Búfalo... coitado, não foi dessa vez. Enquanto Cobra festejava a vitória, Búfalo recolhia-se ao seu pasto, triste e abatido, afinal o mal vencera.

No dia da posse, lá estava Cobra alegre e sorridente, distribuindo simpatia para todos. Em seu discurso de posse dizia assim: “Meus amigos, fizemos uma campanha propositiva, de alto nível e honesta. Temos a consciência tranquila, pois aqui chegamos pela vontade do “Poderoso Reis dos Animais, o Grande Leão”.

Eu estava lá e, do alto de uma árvore, assisti a tudo. Portanto, não há como não exclamar: quanto cinismo e dissimulação de um crápula cheio de peçonha, que pensa que todos os animais são idiotas!

É isso aí. A floresta tem dessas coisas. Então, o que fazer?

Divulgar historinhas como essa para ver se alguns animais despertam para a realidade.

Bom, meus amigos da floresta, qualquer semelhança com a vida dos humanos não é mera coincidência.

Macaco Rhesus, editor do jornal “Diário da Floresta”

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A carta de Miruna Genoino em defesa do pai

A coragem é o que dá sentido à liberdade

Com essa frase, meu pai, José Genoino Neto, cearense, brasileiro, casado, pai de três filhos, avô de dois netos, explicou-me como estava se sentindo em relação à condenação que hoje, dia 9 de outubro, foi confirmada. Uma frase saída do livro que está lendo atualmente e que me levou por um caminho enorme de recordações e de perguntas que realmente não têm resposta.

Lembro-me que quando comecei a ser consciente daquilo que meus pais tinham feito e especialmente sofrido, ao enfrentar a ditadura militar, vinha-me uma pergunta à minha mente: será que se eu vivesse algo assim teria essa mesma coragem de colocar a luta política acima do conforto e do bem estar individual? Teria coragem de enfrentar dor e injustiça em nome da democracia?

Eu não tenho essa resposta, mas relembrar essas perguntas me fez pensar em muitas outras que talvez, em 
meio a toda essa balbúrdia, merecem ser consideradas...

Você seria perseverante o suficiente para andar todos os dias 14 km pelo sertão do Ceará para poder frequentar uma escola? Teria a coragem suficiente de escrever aos seus pais uma carta de despedida e partir para a selva amazônica buscando construir uma forma de resistência a um regime militar? Conseguiria aguentar torturas frequentes e constantes, como pau de arara, queimaduras, choques e afogamentos sem perder a cabeça e partir para a delação? Encontraria forças para presenciar sua futura companheira de vida e de amor ser torturada na sua frente? E seria perseverante o suficiente ao esperar 5 anos dentro de uma prisão até que o regime político de seu país lhe desse a liberdade?

E sigo...

Você seria corajoso o suficiente para enfrentar eleições nacionais sem nenhuma condição financeira? E não se envergonharia de sacrificar as escassas economias familiares para poder adquirir um terno e assim ser possível exercer seu mandato de deputado federal? E teria coragem de ao longo de 20 anos na câmara dos deputados defender os homossexuais, o aborto e os menos favorecidos? E quando todos estivessem desejando estar ao seu lado, e sua posição fosse de destaque, teria a decência e a honra de nunca aceitar nada que não fosse o respeito e o diálogo aberto?

Meu pai teve coragem de fazer tudo isso e muito mais. São mais de 40 anos dedicados à luta política. Nunca, jamais para benefício pessoal. Hoje e sempre, empenhado em defender aquilo que acredita e que eu ouvi de sua boca pela primeira vez aos 8 anos de idade quando reclamava de sua ausência: a única coisa que quero, Mimi, é melhorar a vida das pessoas...

Este seu desejo, que tanto me fez e me faz sentir um enorme orgulho de ser filha de quem sou, não foi o suficiente para que meu pai pudesse ter sua trajetória defendida. Não foi o suficiente para que ganhasse o respeito dos meios de comunicação de nosso Brasil, meios esses que deveriam ser olhados através de outras tantas perguntas...

Você teria coragem de assumir como profissão a manipulação de informações e a especulação? Se sentiria feliz, praticamente em êxtase, em poder noticiar a tragédia de um político honrado? Acharia uma excelente ideia congregar 200 pessoas na porta de uma casa familiar em nome de causar um pânico na televisão? Teria coragem de mandar um fotógrafo às portas de um hospital no dia de um político realizar um procedimento cardíaco? Dedicaria suas energias a colocar-se em dia de eleição a falar, com a boca colada na orelha de uma pessoa, sobre o medo a uma prisão que essa mesma pessoa já vivenciou nos piores anos do Brasil?

Pois os meios de comunicação desse nosso país sim tiveram coragem de fazer isso tudo e muito mais.

Hoje, nesse dia tão triste, pode parecer que ganharam, que seus objetivos foram alcançados. Mas ao encontrar-me com meu pai e sua disposição para lutar e se defender, vejo que apenas deram forças para que esse genuíno homem possa continuar sua história de garra, HONESTIDADE e defesa daquilo que sempre acreditou.

Nossa família entra agora em um período de incertezas. Não sabemos o que virá e para que seja possível aguentar o que vem pela frente pedimos encarecidamente o seu apoio. Seja divulgando esse e/ou outros textos que existem em apoio ao meu pai, seja ajudando no cuidado a duas crianças de 4 e 5 anos que idolatram o avô e que talvez tenham que ficar sem sua presença, seja simplesmente mandando uma palavra de carinho. Nesse momento qualquer atitude, qualquer pequeno gesto nos ajuda, nos fortalece e nos alimenta para ajudar meu pai.

Ele lutará até o fim pela defesa de sua inocência. Não ficará de braços cruzados aceitando aquilo que a mídia e alguns setores da política brasileira querem que todos acreditem e, marca de sua trajetória, está muito bem e muito firme neste propósito, o de defesa de sua INOCÊNCIA e de sua HONESTIDADE. Vocês que aqui nos leem sabem de nossa vida, de nossos princípios e de nossos valores. E sabem que, agora, em um dos momentos mais difíceis de nossa vida, reconhecemos aqui humildemente a ajuda que precisamos de todos, para que possamos seguir em frente.

Com toda minha gratidão, amor e carinho,

Miruna Genoino
09.10.2012

(Transcrito de http://www.advivo.com.br/luisnassif, de Luis Nassif)