sábado, 31 de dezembro de 2011

Ciência e esoterismo

Algumas pessoas criticam a ciência porque esta não tem compromissos com suas crenças e com sua fé, e por isso muitos até a satanizam. A ciência, entretanto, não tem nada a ver com o Diabo, porquanto uma grande parcela dos cientistas, talvez a maioria, não acredita na existência de Deus como também não acredita sequer na existência de Lúcifer.

A ciência trabalha para descobrir a verdade acerca das leis que regem o nosso Universo, independentemente dessas leis confirmarem ou não os dogmas de quaisquer religiões. Exemplo: a ciência não visa confirmar a história de Adão e Eva do Gênesis, porém seu  objetivo é descobrir a origem da vida em nosso planeta e como surgiram todos os seres vivos, inclusive o ser humano.

Para dar uma pequena ideia de como trabalha o cientista, reproduzo a seguir um pequeno texto extraído do livro “Retalhos cósmicos”, de Marcelo Gleiser, físico e astrônomo brasileiro. Chamo a atenção para os trechos sublinhados. O texto tem o título “Ciência e esoterismo”:
"A astrologia é muito mais popular do que a astronomia. Sem dúvida, um número muito maior de pessoas abre o jornal ou uma revista para consultar uma coluna astrológica do que para ler uma coluna sobre astronomia. E a astrologia não está sozinha; numerologia, quiromancia, cartas de tarô, búzios etc. [e algumas estripulias religiosas, inclusive de alguns charlatães evangélicos (esse acréscimo é meu)] também são extremamente populares.

Como físico, não cabe a mim tentar explicar o porquê dessa irresistível atração pelo que obviamente está além do que chamamos de fenômenos naturais. Mas posso ao menos oferecer uma conjectura. O fascínio pelo esotérico vem justamente de seu aspecto pessoal, privado; você paga a um profissional com conhecimento ou “poderes” esotéricos para que ele fale sobre você, sua vida, seus problemas, seu futuro...

Por trás desse fascínio pelo “saber” esotérico encontramos nosso próprio desejo de nos situarmos melhor emocional ou profissionalmente em nossas vidas. Nesse sentido, a atração pelo esoterismo força as pessoas a uma autoreflexão que pode até ser muito importante como veículo de autoconhecimento. Segundo esse ponto de vista, é nossa própria psique, talvez catalisada mas não controlada por poderes ocultos ou sobrenaturais, que nos ajuda a melhorar nossa existência.

Mas como físico cabe a mim fazer o  papel do chato e argumentar contra a crença na existência desses fenômenos no mundo natural. E isso não é porque sou “bitolado” ou “inflexível”. Muito pelo contrário, qualquer cientista ficaria imediatamente fascinado pela descoberta de um fenômeno novo, por mais estranho que ele seja. Faz parte de nossa profissão justamente manter a cabeça aberta para o inesperado.

O problema com o esoterismo é que não temos nenhuma prova concreta, científica, de que esses fenômenos realmente ocorrem. As “provas” que foram oferecidas até o momento – fotos, depoimentos pessoais, sessões demonstrativas e compilações estatísticas de dados – misteriosamente se recusam a sobreviver quando testadas no laboratório sob o escrutínio do cientista ou após uma análise quantitativa mais detalhada.

Uma das grandes armas da ciência contra o charlatanismo é justamente a possibilidade de repetirmos certo experimento quantas vezes desejarmos. Os cientistas não precisam “acreditar” nos resultados de outros cientistas; basta repetir o experimento em seu próprio laboratório sob condições idênticas, e os mesmos resultados devem ser encontrados. Caso eles não sejam encontrados, das duas uma: ou você errou na repetição do experimento e seu colega está de fato correto, ou seu colega errou e seus resultados devem ser abandonados.

Eis aqui um exemplo, a “descoberta” da fusão fria, a produção de energia a partir da fusão de núcleos atômicos a temperaturas normais. O surpreendente é que, segundo a física convencional, o processo de fusão nuclear ocorre a temperaturas e pressões altíssimas, por exemplo, no interior do Sol ou na infância do Universo. Em 1989, Stanley Pons e Martin Fleischmann, dois cientistas de renome, chocaram a comunidade científica internacional ao anunciarem a descoberta da fusão nuclear à temperatura ambiente.

(Essa ilustração não faz parte do livro)
O trítio e o deutério, dois isótopos do hidrogênio, se fundem no interior das estrelas para produzir o hélio. 

Sendo um resultado capaz de revolucionar a produção mundial de energia, vários grupos imediatamente tentaram reproduzir os achados de Pons e Fleischmann. Após alguns alarmes falsos, ficou claro que fusão nuclear à temperatura ambiente é impossível. Os resultados de Pons e Fleischmann, não podendo ser reproduzidos, tiveram de ser abandonados.

Essa história tem várias morais. Uma delas é que os cientistas também podem cair no conto do vigário. Mas só por algum tempo! Descobertas que não podem ser reproduzidas são descartadas. Outra moral é que os cientistas devem ser mais cautelosos com a divulgação de suas descobertas pela mídia. Ainda mais relevante para a nossa discussão, os cientistas não são a priori fechados a fenômenos “estranhos”, apenas não aceitam fenômenos que se recusam a ser reconfirmados no laboratório.

Seria realmente fascinante se houvesse uma força desconhecida que pudesse influenciar nosso comportamento (ou pelo menos indicar tendências) a partir de um arranjo cósmico em que nós, como indivíduos, participássemos ativamente, uma espécie de astronomia personalizada.

Mas, para mim, mais fascinante ainda é seguir os passos de outros cientistas e dedicar toda uma vida ao estudo dos fenômenos naturais, armado apenas com a inspiração e razão. Ao compreendermos um pouco mais sobre o mundo à nossa volta, estaremos, também, compreendendo um pouco mais sobre nós mesmos e sobre nosso lugar neste vasto e misterioso Universo."
Saulo Alves de Oliveira

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Conversa nas alturas

Era uma noite de clima bastante agradável. Eu estava lendo um livro – acho que era “Mundos Paralelos”, de Michio Kaku – e, num repente, me vi a bordo de um avião em um voo de São Paulo para o Rio de Janeiro. Havia muitas poltronas vagas, de modo que dava para ouvir razoavelmente bem a conversa de quem estava muito próximo. Como eu viajava sozinho e os dois assentos ao meu lado estavam desocupados, fiquei bem à vontade. 

Assim que o avião decolou, comecei a olhar pela janela e vi os prédios se apequenarem lá embaixo e as primeiras nuvens começaram a embaçar a visão da cidade.

Nos lugares logo atrás da minha poltrona, havia dois senhores que iniciaram uma conversa tão logo o avião levantou voo. Não vi os seus rostos quando eles entraram, no entanto o tema me interessou, então agucei a audição. Vou chamá-los de João e José apenas para facilitar a compreensão. A partir do momento em que comecei a prestar atenção, a conversa era mais ou menos assim:

João: Alguns críticos andam dizendo por aí que nós nos aproveitamos da ingenuidade das pessoas para aumentarmos nossos patrimônios pessoais. Como tudo na vida tem certo grau de subjetividade, algumas das nossas práticas podem até ser consideradas não éticas ou não morais, mas com certeza não são ilegais. Não estamos roubando, apenas pedimos ofertas voluntárias para expansão do reino de Deus na terra e, como está escrito, “não atarás a boca do boi quando estiver debulhando o grão.” Não é verdade?

José: É isso mesmo! É a mais pura verdade. Se não é assim, por que as autoridades não nos têm molestado? Se não há dolo e nós encontramos “voluntários (essa palavra foi dita com certa ênfase) que doam dinheiro para nossas Igrejas, mesmo que, algumas vezes, à custa do próprio sustento, eu acho que nós devemos continuar pedindo. Afinal de contas, é tudo para a obra!

João: Veja bem, qual tem sido a nossa estratégia lá? Nós simplesmente prometemos que... (ininteligível) dará sucesso, emprego, casa, carro, empresa e tudo o mais àqueles que se dispõem a “contribuir voluntariamente” (nesse momento eu percebi um certo ar de riso na voz) e muitos dão seus testemunhos. É claro que antes nosso pessoal conversa com as pessoas para ajustar os detalhes. Agora, dízimo é outra coisa, é sagrado. Lá a maioria esmagadora entrega o dízimo, até mesmo o pessoal do bolsa família.

José: Sabe de uma coisa, estive pensando outro dia... na verdade eu acho que o dízimo é muito pouco. É coisa do passado, ainda do tempo do Velho Testamento. Apenas uma vez o dízimo é ensinado no Novo Testamento – e de um modo meio transverso –, está em Mt. 23:23, e não para a Igreja, mas para os escribas e fariseus, praticantes da Lei Mosaica. Por que não inverter as coisas? Eu acho que nós poderíamos pensar numa estratégia para convencer as pessoas a entregarem paulatinamente dois dízimos, depois três dízimos até chegar a 90% e assim elas passariam a viver apenas com o dízimo.

João: Você quer dizer: “Viver com o dízimo e entregar 90% para o... (ininteligível)?” É uma boa ideia! O problema é colocá-la em prática. Acho que nós poderíamos chamar de novízimo (risos). Contam que no passado um rico americano chamado William Colgate chegou a doar até 50% dos seus lucros para a Igreja.

José: Afinal a Igreja precisa crescer e o patrimônio dos seus líderes também. Os fiéis precisam ver que, se o homem de Deus alcançou o sucesso, eles também podem alcançá-lo. Lá, eu tenho seguido o seu exemplo. Dou murro no púlpito, jogo a Bíblia no chão, pulo, grito, faço e aconteço. As pessoas precisam ver que a gente tem coragem de desafiar o Senhor e reivindicar os nossos direitos como filhos de Deus. Assim, elas também podem. 

João: Veja bem, ninguém é obrigado a dar, não é verdade? As pessoas doam voluntariamente porque são convencidas pelo... (me distraí por alguns segundos vendo um outro avião passar ao longe). Então é legal! Ora bolas!

José: Sabe de uma coisa, às vezes eu fico até meio constrangido ao ver aquelas velhinhas trazendo ofertas obtidas com tanto sacrifício. Será que os fiéis têm a percepção de que a gente vive com alguma ostentação?

João: Acho que alguns sim, mas... dessa forma você está exagerando... ostentação!... não. É só uma boa vida. Ah, tudo bem! Eles sabem que tudo é para a obra, por isso nós temos de pedir mesmo. Se um ou dois não dão, oito dão e os críticos que se... (nesse momento houve um sinal sonoro que chamou minha atenção e o piloto avisou que íamos passar por uma pequena turbulência e eu não compreendi o restante da frase). Será que as pessoas não percebem o quanto nós trabalhamos! São diversas cruzadas todo mês, muitos programas de televisão, artigos para jornais, livros para escrever, muitas viagens pelo mundo para expandir o Evangelho e cuidar das ovelhas. Sem contar a infinidade de reuniões com assessores. É tudo muito cansativo! Além disso, tem a estafante administração dos nossos negócios.

José: É isso mesmo. Veja bem... no meu caso... eu tenho viajando tanto pelo Brasil nos últimos dias! Tenho me sentido tão cansado... estamos em plena expansão pelo país. Toda semana é uma inauguração de um novo templo. São duas pregações quase toda dia. É um verdadeiro chá de espera em salas de aeroportos. Já estou abusado de tanto entrar em salão de embarque com todas aquelas pessoas olhando pra mim como se eu fosse um extraterrestre. E ainda tem gente que se aproxima para “bater um papinho” ou para fazer cada pergunta tola e já tão batida, tipo: “Os dias da criação são dias de 24 horas ou são bilhões de anos?” Como se isso tivesse alguma relevância. O que interessa é que Deus criou todas as coisas, oh! neófito!, seja em 6 dias de 24 horas ou em milhões ou mesmo bilhões de anos! (disse estas palavras como quem estava bastante irritado).

João: É por isso que a gente tem de viver e morar confortavelmente e andar sempre bem vestido, não é qualquer ternozinho que satisfaz, não é mesmo? (risos). Eu só uso alta costura e gravatas de seda italianas, sapatos também só italianos, e da região da Toscana. Afinal, somos representantes da Igreja, não vamos andar por aí como um pastorzinho qualquer de interior (percebi um certo deboche no final da frase). No começo, há trinta e cinco anos, era tudo muito difícil. Mas, naquela época,  era somente por amor e fé.

José: Sabe de uma coisa: “Você tem razão mesmo.” Aqui pra nós (baixou a voz e eu tive de fazer um esforço enorme para entender): “Depois um bichinho chamado cobiça foi tomando conta da gente e a gente querendo sempre mais.”

João: Você conhece o...? (não entendi o nome) Pessoalmente, é um cara que impressiona mesmo. Seu carisma é de fato incomum. Tem um poder de persuasão como eu nunca tinha visto. Já estive com ele duas ou três vezes.    

José: Claro que o conheço. Li vários dos seus livros. Eu até me espelho nele há algum tempo. Só não gosto muito daquele negócio dele derrubar as pessoas. Até tentei imitá-lo, porém não deu certo.

João: Mas o negócio é sério mesmo! Eu o acompanhava em uma de suas cruzadas em Dallas, no Texas, quando ele se virou para mim e gesticulou com o braço na minha direção e eu caí imediatamente. Depois estive revendo as imagens e achei a minha queda meio esquisita, parecia até que eu tinha sofrido um choque elétrico, entretanto no momento a sensação é impressionante, é como se você estivesse flutuando no ar e caísse suavemente sobre um colchão extremamente confortável. Bom, porém o eu quero ressaltar na verdade é a reposta que ele deu em uma entrevista para um documentário chamado “Milagres”, exibido no canal Discovery a tempos atrás. Quando lhe questionaram sobre o fato dos recursos da maioria dos pregadores provirem de pessoas humildes – e muitas em sérias dificuldades financeiras – em contraste com a opulência demonstrada por esses pregadores, ele respondeu:
"Embora eu receba um bom salário e more com conforto, embora eu voe em um avião particular, quero lhe explicar por que faço assim. Se eu não voasse em um avião particular, logo estaria esgotado. Então é um benefício, vou durar mais tempo. Serei mais produtivo para o reino de Deus... Não vejo nenhum problema no modo como angariamos os fundos. A maioria só doa porque acha que Deus os está levando a doar, não porque alguém pediu."
José: Eu não te falei que me espelho nele! Mas, mudando de assunto: “Você ainda mora naquele casarão alugado?”

João: Realmente eu estou percebendo que nós não conversávamos há muito tempo. Que casarão alugado, rapaz! Eu comprei um apartamento de cobertura de 1.200,00 m² num dos melhores edifícios do Leblon, no Rio de Janeiro. Na realidade, eu também comprei o casarão, porém ele agora serve como sede da minha editora e gravadora. E você?

José: Prefiro São Paulo. É a locomotiva do Brasil. Moro em Higienópolis. Meu apartamento não chega a tanto, mas também é de cobertura e beira mais ou menos os 600,00 m², com quatro 4 vagas de garagem.

João: Ah, você sabia que eu estou concluindo uma mansão em Campos do Jordão? É para descansar nos finais de semana com a família e com o meu staff de assessores mais próximos. Quando estou no Brasil, logicamente (fez questão de ressaltar). Afinal, nossas atividades são realmente muito cansativas. Piscina, campinho de futebol, churrasqueira e umas coisinhas mais. Tem até quadra de tênis, mas é para a família e os amigos. Gosto muito de jogar tênis, porém faz algum tempo que estou com uma contratura no braço direito que me impede de executar o... (não entendi direito, todavia, como falava em jogar tênis, acho que a palavra foi “forehand”).

José: Você não quer que eu faça uma “oração forte” pelo seu braço agora mesmo? Casa de ferreiro, espeto de pau, hein? (risos) Eu comprei recentemente um chalezinho de 300,00 m² em Gramado. Também é uma boa opção. Dizem que lá o Natal é maravilhoso (parece que nesse momento o João questionou a pequena área do imóvel). Está achando pouco 300,00 m²? Tudo bem, eu ainda não cheguei ao seu patamar.

João: É só fazer aquela campanha dos R$ 5,00 todo dia no cofrinho do... (não entendi a palavra).  Você sabe como é, né? No final do mês, a pessoa traz o cofrinho cheio e joga na parede da vitória e quebra todas as maldições.

José: Sei, sei, mas... prefiro ir com calma. Eu ouvi um boato que você tem apartamento nas principais cidades do mundo, Paris, Londres, Nova York... É verdade?

João: Não, essa daí é intriga do... (nesse momento a comissária ofereceu-me um refrigerante e eu não entendi o restante da frase). Eu prefiro ficar hospedado nos melhores hotéis das cidades quando em visita a outros países, afinal todos têm suíte presidencial, e tudo é por conta da Igreja. A não ser que fixe residência lá fora, como é o meu caso, pois venho ao Brasil uma vez ou outra apenas para conferir como as coisas estão e para o povo não me esquecer. Mas, neste caso, eu prefiro casa. Na realidade, eu moro realmente nos Estados Unidos. Tenho até uma bela casa lá, se é que se pode chamar simplesmente de casa um imóvel com 1.800,00 m² de área construída. Fica no famoso bairro de... (uma criança passou correndo e eu me distraí).     

José: Olha, rapaz, você é forte mesmo, hein?

João: Como a Igreja já está consolidado no Brasil, chegou o momento de conquistarmos também a terra do Tio Sam. Além disso, os Estados Unidos são uma ótima opção para comandar de lá a expansão da Igreja em todo o mundo.

José: Sabe de uma coisa, quase esqueci que eu só andava de taxi quando era pastor daquela igrejinha no subúrbio. Quando não tinha dinheiro, era de ônibus mesmo. Hoje, meu carro é top de linha, com motorista exclusivo. Às vezes, eu ainda fico meio constrangido quando um fiel chega perto de mim e diz que andou a pé o mês todo para economizar as passagens e entregar para a Igreja. Dia desses, eu estava parado num sinal na Av. Paulista quando parou um carrão preto ao meu lado. Olhei e te vi sentado lá dentro. Até acenei porém você não me viu.

João: No Rio ou São Paulo eu só me desloco de helicóptero. Tenho um em cada cidade à minha disposição. Quando não dá para usá-los, eu vou de carro, porém só quando não dá mesmo. O trânsito no Brasil está insuportável. É uma enorme perda de tempo. Mas só ando de importado, blindado, e com segurança. Gosto muito daquele modelo top de linha da...(ininteligível). Táxi?, não quero nem ouvir falar!              

José: Blindado? Segurança? E o anjo do Senhor que acampa ao redor dos que o temem e os livra? Há pouco tempo eu vi você pregando acerca disso na TV!

João: Olha, caro amigo, eu ainda creio na Palavra, no entanto Rio e São Paulo não estão para brincadeira. Você sabe melhor do que eu, pois acompanha as notícias diariamente aqui no Brasil. Aliás, é em todo lugar, até no chamado primeiro mundo. Eu prefiro não arriscar. Lembra daquele antigo ditado que diz: “Seguro morreu de velho?”

José: Eu te falei que estava cansado de aeroporto, não foi? Por falar nisso, eu estou quase fechando a compra de um jatinho. Não é novo, mas está bem conservado e dá para viajar para qualquer lugar do Brasil. Em 12 meses eu o quito. Claro, vai ficar à minha disposição, porém não está no meu nome. Foi comprado para a...(ininteligível).

João: Há dois anos eu também comprei um jatinho executivo com oito lugares, zero quilômetro. Ainda não é o top de linha daquela empresa americana...(silêncio por alguns segundos) não lembro o nome, porém é muito confortável e a autonomia permite que eu faça Estados Unidos/Brasil sem escala. Mas é só o começo! Ninguém segura este servo de Deus! A concorrência que se prepare, pois eu vou ultrapassá-los. Não é verdade? (risos)

José: E como é que você está neste voo comercial São Paulo-Rio? Na realidade, foi providencial porque a gente pode bater esse papo e colocar as coisas em dia.

João: É que o piloto levou o aparelho para manutenção exatamente na semana em que eu tinha de fechar um grande negócio em São Paulo e um assessor incompetente – aliás, já demitido –, não me comunicou previamente. Bem, como ainda está cedo, vou aproveitar para curtir um pouco o sol do Rio, à beira da piscina, é claro. O dia está ótimo para uma boa caminhada na praia, mas a segurança...   

Neste exato momento do bate-papo, acenderam-se os sinais de “não fumar” e “apertar cintos” e o serviço de som do avião emitiu um rápido sinal sonoro. Em seguida, ouviu-se a voz do piloto: “Senhores passageiros, são 9 horas. Dentro de aproximadamente 10 minutos estaremos pousando no aeroporto do Rio de Janeiro. Atenção tripulação: ‘Preparar para pouso.’” Então, eu pensei: vou olhar disfarçadamente para trás para ver quem são estes dois senhores.

Acontece que, enquanto eu assim pensava, meu celular começou a tocar. Ao pegar o aparelho para atendê-lo, abri os olhos e, ainda meio sonolento e confuso, percebi que estava deitado em minha cama e o celular continuava tocando na mesinha de cabeceira ao lado. Olhei para o relógio e ele marcava precisamente 7 horas. Foi aí que me lembrei: na noite anterior eu havia programado a função despertar para 7 horas, pois tinha um compromisso no início da manhã.

Na verdade, tudo não passou de um sonho. E o livro? Estava no chão ao lado da cama.

Saulo Alves de Oliveira

NOTA: “Mundos Paralelos”, citado no início, não é ficção nem muito menos misticismo, é um livro de divulgação científica escrito pelo físico Michio Kaku.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A face sinistra da natureza

Em um comentário anterior eu afirmei que a natureza me parece muito cruel e insensível. Na realidade a natureza é apenas indiferente à dor e também à alegria, ela não se comove quando os seres vivos sofrem ou mesmo quando estão felizes. Feita essa afirmação, vou contar um fato que eu presenciei aqui mesmo na cidade. Não precisei visitar as savanas africanas ou ir à Amazônia ou sequer caminhar nas matas próximas ao centro urbano onde moro. 

Eu resido nas proximidades de um terreno baldio. Na minha rua há muitos gatos. De vez em quando aparece um rato morto na garagem da minha casa. Eu acredito que os gatos pegam os ratos no dito terreno e depois vêm “brincar” e degustá-los na minha garagem. E são ratos até grandes, talvez meçam quase 25 cm do nariz à ponta do rabo.

Um dia eu encontrei apenas uma cabeça e em outra oportunidade apenas um corpo. É provável que outros roedores tenham sido totalmente devorados na minha garagem.

Na última quarta-feira, minha filha chegou do trabalho por volta das 19 horas. Ao entrar em casa, ela disse: “Tem um outro rato na garagem”. Bem, pensei, ele deve estar morto, então amanhã eu o enterrarei. E me esqueci do infeliz roedor.

No dia seguinte, por volta do meio-dia, eu fui até a garagem pegar alguma coisa no meu carro. E lá estava o rato num cantinho junto à parede. Entretanto o pobre animal não estava morto, pois o vi se mexer, não sei se eram espasmos. Certamente os gatos o maltrataram, imaginei, mas não o suficiente para matá-lo. O animal agonizava havia pelo menos 17 horas. Então, pensei: “O que devo fazer para acabar com o seu sofrimento? Eu não tenho estrutura emocional nem coragem para acabar com sua dor matando-o”. Pensei em levá-lo para o terreno baldio, mas, como era meio-dia e o sol estava causticante, julguei que o melhor seria deixá-lo ali mesmo, porquanto naquele local haveria sombra durante todo o resto do dia e ele poderia morrer de forma mais tranquila, se é que isso é possível.

À noite eu saí de casa. Retornei por volta das 21 horas e 30 minutos. Quando cheguei, percebi que havia dois gatos na garagem, mas não tinham tocado no rato. Aproximei-me do pobre animal, fiz algum barulho com os pés e notei que ele esboçou uma leve reação e entreabriu os olhos. Portanto, após 26 horas, no mínimo, a pequena criatura ainda estava agonizando.  

No dia seguinte, após o café da manhã, eu resolvi concluir a instalação de alguns acessórios nos banheiros dos meus filhos. Os banheiros foram reformados recentemente. Após tal providência, pensei: “Agora vou descer até a garagem para enterrar o rato.” Eu já estava com os materiais necessários nas mãos quando me dirigi à porta para descer a escada lateral. Já passava das 10 horas.

E eis que a nossa secretária abre a porta vindo da frente da casa. Ela tinha ido recolher as muitas folhas que caem de uma árvore que há na frente da nossa casa. Então, eu lhe perguntei: “Elizabete, você viu um rato lá na garagem?”, ao que ela respondeu “sim”. “Ele está morto?”, continuei. “Não”, disse ela. “O que você fez?”, insisti. “O coloquei num saco junto com as folhas”. Portanto, o animal ainda agonizava passadas cerca de 40 horas. A partir daí eu deixei de acompanhar seu sofrimento.  

Esse é apenas um caso entre muitos milhares ou, quem sabe, até milhões que acontecem todos os dias nas matas, florestas, selvas, nas caatingas, nas savanas, nos mares... e até bem próximo de nós. Quantos animais sofrem por horas e até dias a fio, com fome ou sede, machucados ou feridos, com dores excruciantes, antes de sucumbirem à morte! Para mim não há justificativa moral para tanto sofrimento. A Natureza – esse “ser” abstrato, invisível e intangível –, é implacável: quebrou uma perna, perdeu os dentes, está velho e sem força, ou doente, padeça então até a morte concluir seu trabalho, não importa quanto tempo arqueje moribundo.    

Talvez alguém esteja pensando: “Quanta bobagem! Você preocupado com um simples roedor! Há coisas muito mais importantes às quais devemos direcionar as nossas preocupações! Inclusive o rato é um grande transmissor de doenças para o ser humano!” É verdade, mas a culpa não é dele. Ele não criou a si próprio.

Eu não acho bobagem. E sabe o porquê? Porque por trás do pano de fundo do palco da vida há questões que dizem respeito à existência ou não de princípios morais no alvorecer de todas as coisas e depois na condução da vida. 

Você tem toda a liberdade de pensar o que quiser e de basear seu pensamento no que entender seja a verdade. Eu, porém, não acredito que Deus interfira nesses acontecimentos, pois se assim o fosse eu julgo que Ele seria um Ser cruel e de moral totalmente duvidosa. Para mim a explicação mais plausível é: evolução por seleção natural.

Saulo Alves de Oliveira