domingo, 26 de junho de 2011

Contradições

Eu vi a criança que nasceu perfeita, mas também vi a criança que nasceu deformada;

Eu vi crianças felizes brincando na areia da praia, mas também vi crianças que mais pareciam cadáveres  sugando seios de outros cadáveres;

Eu vi jovens caminhando para a escola em busca de um futuro feliz, mas também vi jovens drogados sem futuro algum;

Eu vi o trabalhador honesto receber um mísero salário, mas também vi o assaltante que lhe roubou todo o salário do mês;

Eu vi o pedreiro construindo um luxuoso edifício, mas também vi sua pobre casa na periferia da cidade;

Eu vi o político fazendo promessas maravilhosas, mas também vi que ele as esqueceu logo após as eleições;

Eu vi canalhas prosperando, mas também vi justos pobres no final da vida;

Eu vi o rico empresário passeando em um carrão, mas também vi o trabalhador em um ônibus lotado;

Eu vi o rico comendo caviar, mas também vi o pobre catando comida no lixo;

Eu vi religiosos sinceros, mas também vi pregadores vazios de quaisquer escrúpulos;

Eu vi pessoas caminhando felizes nas ruas, mas também vi bombas caindo sobre a cidade;

Eu vi uma família passeando em um parque, mas também vi um homem-bomba que se autoexplodiu e a fez em pedaços;

Eu vi corpos esculturais que se exibiam, mas também vi corpos mutilados pela guerra e pela intolerância;

Eu vi um maravilhoso pôr do Sol que me encantou, mas também vi um câncer de pele que me entristeceu;

Eu vi a chuva que trouxe vida ao sertão, mas também vi a enchente que devastou a cidade;

Eu vi gazelas saltitando num admirável espetáculo da natureza, mas também vi cervos despedaçados por leões famintos;

Eu vi belos animais livres na natureza, mas também vi animais assassinados para servir de alimento a nós... humanos. Humanos?

Quanta contradição!!!

Qual o sentido de tudo isso?

Por que e(E?)le fez tudo isso?

Saulo Alves de Oliveira

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Arte Infantil


















Os dois quadros acima foram pintados pela minha netinha Paola, que completará 4 anos no dia 4 de julho próximo. Nós estávamos sentados no chão da varanda na frente da minha casa no domingo pela manhã dia 12 de junho. A iniciativa não foi minha. Ela pediu as tintas à sua mãe e sentou-se ao meu lado.

A primeira pintura foi executada sobre uma folha de papel branco A4 com tinta guache, com exceção de uma pequena mancha amarela na parte inferior à direita, que foi feita com cola colorida. Não houve a menor interferência da minha parte, exceto quanto a ajudá-la a limpar o pincel entre uma cor e outra.

A segunda pintura foi executada também sobre uma folha de papel A4 verde claro com tinta guache e um pouco de cola colorida. O azul central, o amarelo lateral, a mancha verde e as manchas vermelhas mais próximas ao azul central foram pintados com cola colorida. As demais pinceladas foram feitas com tinta guache. Nesse trabalho, além da limpeza do pincel, eu apenas sugeri que ela espalhasse mais a pintura.

Eu pretendia guardar os quadros para mostrar a ela no futuro, mas aconteceu um acidente de percurso. Eu os digitalizei na terça-feira dia 13 de junho – ainda bem! – e os deixei em cima da mesa do computador. Porém, a jovem que esteve nos ajudando em casa no dia seguinte e que é a babá da Paola nos sábados, viu os papéis e julgou que eram simples travessuras da minha neta. O que fez, então? Jogou-os no lixo!

E eu, o que fiz? Nada. Fiquei somente com uma tremenda cara de tacho!  

Mas, eu tenho um consolo: será que sou avô de uma futura Van Gogh? Ah! Ah! Ah! Ou é muita pretensão da minha parte? Na verdade eu desejo apenas que ela cresça saudável e muito feliz, qualquer que seja sua profissão no futuro.  

Saulo Alves de Oliveira

sábado, 18 de junho de 2011

Carta à minha Neta - A Luz

Querida Paola,

Sei que você ainda é muito novinha para entender certos fenômenos naturais, mas é muito importante começar a compreender como a natureza funciona.
 
Pôr do Sol no rio Potengi - Natal/RN - 17/06/2011
A Luz é um dos fenômenos mais espetaculares do universo. A Luz nos permite ver todas as coisas, das pessoas a quem amamos – como sua mãe, seu pai, sua avó, o titio Vítor –, às belas paisagens da natureza – um pôr do Sol, um lago tranquilo rodeado de verde, um lindo rostinho de criança como o seu –, mas também os chocantes espetáculos da mesma natureza, tais como: o predador que despedaça a presa, os fenômenos naturais que causam destruição e sofrimento e as doenças que deformam os corpos dos seres vivos.

Há um pequeno teste que pode comprovar minha afirmação. Não é necessário ser um cientista para executá-lo. De certa forma todas as pessoas já o fizeram, especialmente à noite ao deitar-se, talvez sem o rigor que proponho. É muito simples. Mas, se você tiver medo do escuro, peça para sua mamãe Sílvia segurar-lhe a mão.

Entre em seu quarto e feche-o totalmente, ou seja, não deixe sequer uma fresta por onde possa penetrar o menor raio de luz externa. Feche os olhos e desligue o interruptor. Agora abra os olhos. O que você está vendo? Absolutamente nada. Existe apenas escuridão ao seu redor. Não caminhe dentro do quarto, pois você pode tropeçar em algo e eu não quero que você se machuque. Pode ligar o interruptor novamente.

Por que nós vemos todas as coisas?

Todos os objetos e os seres vivos refletem a luz que incide sobre si ou a absorvem totalmente. Os objetos brancos são brancos porque refletem toda a luz que incide sobre os mesmos, pois a luz branca é a mistura de todas as cores. Os objetos pretos absorvem toda a luz, por isso os vemos pretos. Já os objetos verdes refletem apenas a luz verde e absorvem todas as outras cores, os vermelhos refletem apenas a luz vermelha e absorvem todas as outras cores e assim acontece com as demais cores. Isso foi descoberto a partir dos estudos de um dos maiores gênios que o mundo já conheceu, Sir Isaac Newton, cientista inglês que viveu no século XVII.

Aqueles que estudaram óptica, devem ter uma compreensão melhor do que estou afirmando.
Daqui a alguns anos você também vai ter acesso ao maravilhoso mundo da ciência.

A luz refletida chega aos nossos olhos, é captada pela córnea e vai até a retina e daí é enviada ao cérebro, onde se formam as imagens. Portanto, é a Luz que nos permite ver todas as coisas.

A velocidade da Luz no vácuo é 300 mil quilômetros por segundo. Fantástico, não é mesmo? Vamos fazer um pequeno experimento mental para termos uma ideia do que significaria deslocar-nos a essa velocidade.

A Terra tem o formato aproximado de uma laranja, ou seja, é uma esfera ligeiramente achatada nos polos. Alguns cientistas chamam o formato da Terra de geoide ou elipsoide, mas não vamos complicar.

Vamos supor que a Terra é uma laranja. Agora corte essa laranja exatamente no meio, transversalmente aos gomos.

Vamos supor também que você é uma exímia treinadora de formiguinhas. Você treinou uma formiguinha para fazer qualquer coisa que você queira.

Pegue a formiguinha e a coloque na quina de uma das metades da laranja e ordene que ela dê uma volta na laranja, mas não se esqueça de lhe entregar um aparelho para medir distâncias.

Se a laranja fosse a Terra, quando a formiguinha chegasse ao ponto de partida ela teria caminhado cerca de 40 mil quilômetros. Coitado do pequeno inseto, deve estar exausto! Você sempre diz: “Não devemos maltratar os animais.” Cá pra nós: não deixe que o IBAMA saiba disso.               

Veja bem, eu estou propondo um experimento mental para facilitar a sua compreensão. Eu poderia simplesmente explicar da seguinte forma: a Terra tem um diâmetro de aproximadamente 12.756 quilômetros no equador, que é uma linha imaginária que divide o globo terrestre em dois hemisférios, norte e sul. O comprimento de uma circunferência é dado pela fórmula matemática “d x pi”, onde “d” é o diâmetro da circunferência e “pi” é igual a 3,1416. Portanto, se nós fizermos a conta “12.756 x pi” vamos encontrar 40.075 quilômetros.

Vamos voltar ao nosso experimento mental. Junte as duas metades da laranja. Digamos que você consiga colá-las, entretanto vai ficar uma cicatriz, que eu vou chamar de equador. Não se esqueça que em nosso experimento mental estamos supondo que a Terra é uma laranja. Que laranja!, hein?

Agora imagine que você é a pilota de um foguete que se desloca em volta da Terra, na altura do equador, à velocidade da Luz, ou seja, 300 mil quilômetros por segundo. Quantas voltas você daria ao redor da Terra em um segundo? Basta fazer a conta “300.000 / 40.075” e você encontrará 7,50 – ou seja, 7 voltas e meia.

Eu sei que alguém pode achar elementar, mas olhe para o relógio de parede da cozinha da nossa casa. Acompanhe o movimento do ponteiro dos segundos. Ele se movimenta dando uns pulinhos. Observou? O intervalo entre cada dois pulinhos é um segundo. Então, se você estivesse a bordo de um foguete deslocando-se ao redor da Terra à velocidade da Luz, você daria 7,50 voltas nesse pequeníssimo lapso de tempo. Um segundo corresponde mais ou menos ao tempo que você gasta para pronunciar, em voz normal, o número quarenta e quatro. É algo simplesmente fantástico.

Eu poderia falar muito mais sobre a Luz, mas não quero cansá-la. Fica para outra oportunidade.    

Um beijo do seu avô,

Saulo

domingo, 12 de junho de 2011

Como Deus pôde matar mulheres e crianças?

Esqueletos de mulheres e crianças em igreja de Ruanda, África, após genocídio de 1994 - Fonte: tropicos.estadao.com.br

Certo dia eu estava vendo alguns vídeos no YouTube quando me deparei com o seguinte título: “Como Deus pôde matar mulheres e crianças?” O tema me interessou. Tratava-se do vídeo de um senhor de nome John Piper, pastor e escritor da Igreja Batista Reformada, da cidade de Minneapolis, EUA, que respondia a esta pergunta. Para melhor compreensão do comentário que faço a seguir, sugiro dar uma olhada no vídeo. É bem curto, menos de 6 minutos. Basta clicar no link abaixo.

Confesso que nunca tinha ouvido alguém dar uma resposta tão objetiva e sem rodeios acerca desse tema. Pelo menos essa virtude eu credito ao Sr. John Piper. Ele parece acreditar realmente no que afirma.

Para quem não assistiu ao vídeo, eu resumo assim as palavras do Sr. John Piper: “Deus dá a vida a seres humanos e a tira a seu talante (permito-me utilizar uma palavra pouco conhecida em virtude do impacto da afirmação – talante quer dizer arbítrio, bel-prazer), isto é, quando e da forma que Ele quiser, não importando o grau de sofrimento ou de crueldade envolvidos na morte de qualquer pessoa, do recém-nascido ao ancião.”

Em outro vídeo intitulado “Deus predeterminou cada pequeno detalhe do universo, inclusive o pecado?” – sugiro assistí-lo –, ele firma que cada pequena partícula de poeira que paira no ar todas as manhãs em seu quarto e que ele vê nos raios de sol que penetram através da sua janela em certas épocas do ano, está ali exatamente pela ordenação de Deus. Isso corrobora perfeitamente com a questão das mortes a seu talante. Essa é certamente uma grande arma nas mãos dos céticos, aliás, não apenas uma arma, é um poderoso canhão.

Durante vários dias eu pensei a respeito do que ouvira. Algo me incomodava. Não havia como não perguntar: “como seriam essas decisões no céu no tocante àqueles que deveriam morrer? Quando, quantos e como?” Então vieram à minha mente algumas situações imaginárias. Logicamente eu não sei como as coisas acontecem no céu, mas poderia ser algo parecido com o que descrevo a seguir.

Estamos no início do mês de setembro de 2001. Deus reúne-se com os anjos da primeira hierarquia para decidir quem deverá morrer naquele mês. Entre todos os que se apresentam, o anjo-chefe da morte é o primeiro a perguntar: “Senhor, quais são as minhas tarefas para o dia 11 deste mês?”

Dentre as várias tarefas ordenadas pelo Senhor, está a seguinte: “Faça alguns homens projetarem dois aviões contra o World Trade Center, em Nova York, EUA. O ataque deverá causar o desmoronamento das duas torres, pois naquele dia eu resolvi matar 2.819 pessoas. Elas serão queimadas e algumas feitas em pedacinhos devido às explosões dos aviões, inclusive os sequestradores. Muitas deverão ficar irreconhecíveis ou jamais deverão ser encontradas, de modo tal que seus parentes sequer tenham a oportunidade de dar-lhes um funeral digno como é comum aos humanos mortos." Continua o Senhor: "Ah, eu também quero que algumas pessoas fiquem presas sob os escombros e que nem ao menos consigam se mexer, sufocadas com a poeira e os gases, e que permaneçam assim durante horas ou dias, até morrerem lentamente, asfixiadas e com fortes dores.” Todos os que serão mortos são citados nominalmente.

“Quanto aos que constam desta outra relação, escaparão com vida, porém devem perder pernas ou  braços ou ficar com outras sequelas pelo resto das suas vidas.”

No dia 07 de fevereiro de 2007, mais uma reunião. Dessa vez o Senhor diz ao anjo-chefe da morte: “Vá ao Brasil, num subúrbio do Rio de Janeiro, e faça o assaltante Fulano do Mal, com outros dois comparsas, tentar assaltar a mãe do menino Escolhido, de apenas 6 anos.”

Escute bem: “Um dos assaltantes deverá arrancar com o veículo em alta velocidade tendo o garoto preso ao cinto de segurança pelo lado de fora do carro. O garoto deverá ser arrastado por sete quilômetros e pedaços do seu pequeno corpo deverão ser arrancados pelo choque com o asfalto. Ao final do trajeto, o corpo do menino deverá estar totalmente irreconhecível.” No momento em que escrevo estas palavras não consigo conter as lágrimas, pois sou pai e avô e, mesmo sem ter vivenciado a dimensão da tragédia, da qual só quem pode expressar o real significado é quem a viveu, tento imaginar o quanto devem ter sofrido o inocente Escolhido e seus pais.

E o que aconteceu na região serrana do estado do Rio de Janeiro, no início deste ano! Foram centenas de mortos e desaparecidos. Teria sido também o resultado de uma reunião no céu? Tocou-lhes o sofrimento de um homem soterrado sob metros de escombros, porém, felizmente, resgatado? Certamente ele não estava na relação dos que deveriam morrer naquele dia. E os que não tiveram a mesma sorte? Não vou relatar mais sofrimentos.

Ao longo de toda a história da humanidade a morte tem sido um processo muito doloroso e cruel para muitas pessoas, animais humanos como eu e você, inclusive crianças inocentes. Muitos sofrem dores excruciantes e por longos períodos. Meu sogro morreu aos 91 anos de idade. Certa vez, nos seus últimos dias de vida, ele me disse: “Eu não sabia que para morrer precisava sofrer tanto.”

Eu poderia descrever diversos outros casos iguais aos relatados acima ou piores. Entretanto, não sinto prazer em fazê-lo, pois não tenho um caráter mórbido. Fiz alusão apenas a três casos somente para enfatizar o absurdo moral apresentado pelo Sr. John Piper.

Centenas de crianças são atingidas pelo intenso bombardeio na Faixa de Gaza - Fonte: www.atarde.com.br
Ele faz a seguinte afirmação: “Agora, adicione a isso o fato de que somos todos pecadores e de que merecemos morrer e ir para o inferno imediatamente...” Engana-se John Piper, crianças inocentes não são pecadoras nem merecem ir para o inferno, quaisquer que tenham sido os pecados cometidos por seus ancestrais, mesmo no mais longínquo passado.

Se Deus conhece todas as coisas, passado, presente e futuro, qual o sentido de trazer pessoas à vida para depois torturá-las com mortes terríveis? É só por conta da sua soberania? E como fica a questão da sua moralidade? Nada, nada mesmo, justifica o martírio cruel de vidas humanas. Desculpem a redundância, pois não há martírio não cruel.

O Deus apresentado por John Piper mais parece um ser tirano e sanguinário que se compraz em torturar seres humanos, inclusive inocentes. Talvez uma leitura fundamentalista do Velho Testamento leve a essa conclusão, com a qual eu não tenho a menor identificação.

Se você fizer uma associação deste texto com a segunda postagem deste blog – A resposta que não é A Resposta –, especialmente os três primeiros parágrafos, é provável que você compreenda melhor a distância que me separa do pensamento do Sr. John Piper.  

Na versão original deste texto não era este o seu final. Deixei-o de incluí-lo por sugestão da minha esposa e para não correr o risco de ser incompreendido. Talvez seja uma fraqueza da minha parte. Mas sou um crítico ferrenho dessa visão de John Piper.

Vou deixar o leitor como alguém que fez uma longa caminhada sob um sol escaldante e ao final sente bastante sede. Você chega a uma casa e pede água para beber. Alguém lhe traz um copo d’água. Você toma um primeiro gole e percebe que o precioso líquido está exatamente naquela temperatura ideal para saciar-lhe a sede, nem natural nem muito gelado. Ao fazer o comentário “que água gostosa,” alguém bate involuntariamente no copo e o derruba e esta era a última água da geladeira. Desculpem a brincadeira. É que eu quis terminar um assunto tão sério com um pouco de humor.

Não quero dizer, porém, que a minha água seja tão fresquinha, talvez esteja mais para morna. Minha insensatez não chega a tanto.

Caberá ao leitor analisar e tirar suas próprias conclusões.

Saulo Alves de Oliveira

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Os dois Brasis (1)

A vida de quase todos nós é cheia de surpresas, às vezes agradáveis, outras, nem tanto. Eu disse “quase” porque acho que quase não há absoluto. Acho que nossas afirmações devem sempre conter uma brecha para o inesperado. Alguém que está em coma pode se surpreender com algo?

Quem não gosta de receber um prêmio em dinheiro ou passar no vestibular ou ganhar uma causa na justiça?

Algumas situações não são apenas desagradáveis, elas nos trazem sofrimento e dor. Quem gosta de perder um parente ou amigo? Quem gosta de ser multado? Quem gosta de adoecer?

Na sexta-feira 13 de maio, eu planejara resolver algumas coisas durante o dia. Antes que alguém faça qualquer conexão com sorte ou azar – sexta-feira 13 –, devo dizer que não acredito em superstições. Tudo não passou de simples coincidência.

Levantei da cama por volta das 8 horas. Tomei o café da manhã e em seguida me sentei numa poltrona enquanto aguardava a liberação do banheiro. Minha esposa se preparava para sair também.

Pouco antes das 9 horas, comecei a sentir uma dor à esquerda e um pouco acima da bexiga. A dor foi aumentando e irradiou-se para a parte posterior do corpo, fixando-se, com maior intensidade, na altura do rim esquerdo.

Quando a Sulanira saiu do banheiro, eu lhe disse: “Acho que não vou sair, pois estou sentindo uma forte dor. Vou me deitar um pouco e aguardar melhorar.” Ela saiu para resolver algumas coisas.

Acontece que a dor não passou. Ao contrário, aumentou. Aí eu me lembrei que há mais ou menos vinte e cinco eu sofrera muito com cólicas renais. E aquela dor estava muito parecida com a do passado.

Durante todo esse tempo, eu expelira, talvez a cada, mais ou menos, dois anos, uma pedrinha, mas sem maiores traumas. Dessa vez, no entanto, a situação complicou.

Temendo que a dor não passasse logo – já estava ficando insuportável –, pedi ao meu filho que me levasse até o hospital.

Chegamos ao Hospital do Coração às 10 horas. Expliquei minha situação à atendente e lhe pedi que desse prioridade ao meu caso. Só sabe o que é realmente uma cólica renal quem já a teve. Quinze minutos depois eu estava na sala da médica de plantão. Feitas as perguntas e dadas as respostas, e após um rápido exame, fui encaminhado à enfermaria do Pronto Socorro.

Deram-me um medicamento oral e em seguida aplicaram-me soro com outros medicamentos. Por volta das 11 horas a dor começou a ceder.

Depois seguiram-se exames de sangue e de urina, ultrassonografia e tumografia computadorizada. Diagnóstico: litíase renal e ureteral esquerda. Tradução: uma pedrinha (cálculo) no ureter esquerdo.

O médico urologista que me atendeu apresentou duas opções: 1) aguardar o cálculo deslocar-se até a bexiga, com muitas dores, e depois expelí-lo naturalmente ou 2) retirá-lo através de procedimento cirúrgico, com os riscos inerentes a uma cirurgia. Depois de refletir um pouco, decidi optar pela segunda alternativa. A cirurgia foi marcada para o dia seguinte às 8 horas da manhã.

Por volta das 9 horas do sábado dia 14, já livre do cálculo, despertei da anestesia. À noite, recebi alta e fui para casa. A situação teve outros desdobramentos, mas para os meus propósitos já chega de tanto blá-blá-blá.

Eu tenho um colega que é extremamente objetivo. Além do limite, eu diria, se é que isso é possível. Se ele por acaso estiver lendo este texto, com certeza deve estar perguntando: “O que é que isso tem a ver com o título ‘Os dois Brasis?’ Pra que tanto blá-blá-blá?”

Bem, vamos ao ponto.

Os ricos e alguns políticos – estes últimos, responsáveis pela grave situação em que se encontra a saúde no Brasil –, quando adoecem, procuram centros mais avançados. É muito comum lermos ou ouvirmos na impressa “Fulano de Tal foi tratar-se no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.” Outros, vão para grandes centros médicos no exterior. Por que não procuram os hospitais públicos ou os postos de saúde que eles oferecem à população?  Não confiam no serviço prestado por esses órgãos?

Quanto a mim, eu não sou um homem rico e, pelo andar da carruagem, com certeza jamais o serei. Não jogo na loteria, portanto não corro o risco de ganhar um grande prêmio. Também não sou filho de pai rico, do qual possa herdar uma grande fortuna.

Nada obstante, eu posso pagar um plano de saúde. Associado a uma grande empresa, o meu plano de saúde está entre os melhores do país. Portanto, tenho uma assistência médica razoável. Acho que posso dizer: de bom padrão. Por isso contei a historinha acima. Fui atendido num dos melhores hospitais da cidade, rápida e eficientemente. Não passei dias sofrendo em cima de uma maca no corredor de um hospital público. Até hoje, felizmente, não precisei recorrer ao serviço médico prestado pelo poder público.

E a situação dos pobres, como fica? Ou mesmo da classe média que não pode pagar um plano de saúde? Realmente vivemos em dois Brasis? O que você acha?

Saulo Alves de Oliveira

Os dois Brasis (2)

Frequentemente ouvimos notícias sobre o descalabro em que se encontra o sistema público de saúde no Brasil. Pessoas morrem nas filas dos hospitais públicos aguardando uma vaga. Outros são jogados em macas ou cadeiras nos corredores com ferimentos graves ou fortes dores. Alguns vagam por horas a fio dentro de uma ambulância – num verdadeiro jogo de empurra-empurra – em busca de um socorro médico que, em algumas situações, chega tarde demais. São médicos que, dada a insuficiência dos recursos humanos e materiais dos hospitais, em muitos casos têm de tomar a decisão de quem vai ser atendido ou não, ou seja, o profissional da saúde pode estar decidindo quem vai viver e quem vai morrer.

Nos postos de saúde municipais não há profissionais suficientes para atender à demanda da população e muitas vezes o doente é obrigado a esperar meses para marcar uma consulta, notadamente no caso de especialistas, ou para realizar determinados tipos de exames. 

Eu soube do caso de um senhor que, tendo procurado um posto de saúde municipal para agendar atendimento médico, faleceu muito antes que tal providência fosse efetivamente tomada. A demora foi tão absurda que, quando ligaram para sua casa para informar o dia da consulta, seus familiares disseram: “Não há mais necessidade, pois ele morreu.” Será que isso ocorreria se aquele senhor fosse o pai do prefeito ou do secretário da saúde?

Tal fato é uma lástima! E muito mais do que isso. É uma vergonha para um administrador público, qualquer que seja ele, do prefeito ao presidente da república, sem esquecer o governador. Eu não sei até onde vai a incompetência ou o descaso com a vida humana! Fosse eu secretário da saúde e isso acontecesse na minha administração, eu pediria o boné e, cabisbaixo, voltaria para casa.

E as desculpas são as mais diversas possíveis, especialmente falta de verba. Como!, se o Brasil é um dos países que tem uma das maiores cargas tributárias do mundo? Há dinheiro para comprar avião novo, para aumentar acintosamente os salários de deputados, senadores, vereadores, prefeitos, presidente da república, para reformar palácios, para a copa do mundo..., para que o Senado Federal tenha em média – pasmem! – 72 funcionários para cada senador (ISTOÉ 2167, pág. 31). 

E o que é pior: segundo a Tribuna da Imprensa de 26/04/2011, “...o Senador Pedro Simon (PMDB-RS) recentemente fez um discurso e denunciou que existem 13 mil funcionários por lá,” incluindo os terceirizados, ou seja, em média 160 funcionários para atender a cada senador – uma excrescência patológica constitucional. Todavia não há recursos para resolver os problemas da saúde pública do Brasil. E o povo continua morrendo à míngua, jogado nos corredores dos hospitais públicos.

Eu votei no Lula cinco vezes e não me arrependo de tê-lo feito, porém acho que em matéria de saúde pública seu governo deixou a desejar. Eu esperava que ao final dos seus dois mandatos a fisionomia da saúde pública no Brasil fosse outra, entretanto lamentavelmente minha percepção não é de que houve grandes mudanças.

Estes são os dois Brasis a que me refiro no título deste comentário. O País dos ricos e dos remediados, os quais – remediados, como eu – podem pagar um plano de saúde, e o país dos pobres, sem saúde, sem educação, sem tantas outras coisas que fazem das pessoas cidadãos e cidadãs de uma pátria e que dão dignidade à vida humana.

Dilma, a primeira presidenta mulher, está aí e eu espero que ela mostre a que veio. Eu espero ansioso que ela consiga transformar estes dois Brasis em apenas Um Grande Brasil, capaz de tratar todos os seus filhos e filhas com a dignidade que todos merecemos.

Saulo Alves de Oliveira